Mesmo antes de aceitar se casar com Duílio, Isaura já estava ciente das manias do homem. No entanto, diante da falta de pretendentes mais apropriados, esticou o dedo anelar da mão esquerda para o gajo. No final das contas, parecia ter feito bom negócio, pois o marido lhe serviu além do esperado.
Duílio roncava? Roncava. Mas nada que um bom par de chumaço de algodão não transformasse o quarto do casal num quase silêncio sepulcral madrugada adentro. Era bom amante? Isaura não podia afirmar com certeza, já que não tivera muitos outros. Entretanto, ela jurava para si própria que ele havia sido, de longe, o menos pior.
Após quase 30 anos do casório, Duílio havia deixado algumas manias pelo caminho. Todavia, para desespero da mulher, ele passou a ter outras. Uma, em especial, a deixava desesperada. É que o marido não admitia que ela levasse uma banda de melancia para casa. Não mesmo! Como ele gostava de dizer, não se pode dividir algo com pessoas desconhecidas.
Isaura tentou argumentar por diversas vezes com o esposo, mas sem sucesso. Não adiantava falar que os filhos já estavam crescidos e devidamente casados, cada um morando com as respectivas famílias. Duílio não dava a mínima para aquele monte de melancia que acabava no lixo, já que era muita coisa apenas para o dois.
Finalmente chegou a tão esperada comemoração de bodas de esmeralda. Toda a família foi convidada. Duílio até havia comprado novas alianças para demonstrar todo o amor que ainda sentia pela esposa. Esta, por sua vez, prometera mesa farta, onde o prato principal seria estrogonofe de filé mignon, receita tradicional que aprendera com sua saudosa avó materna.
Filhos, netos e até uma pequenina bisneta estavam na enorme casa de Isaura e Duílio. Um falatório sem fim, até que alguém tocou a campainha. O marido, que estava confortavelmente sentado numa cadeira de balanço na ampla varanda, fez menção de se levantar. A mulher tomou-lhe a frente e foi ver quem era. Retornou logo em seguida puxando uma vaca, para espanto de todos.
– O que significa isso, meu amor?
– Duílio, você está certo. Não se pode mesmo dividir algo com pessoas desconhecidas.