A Procuradoria-Geral da República (PGR) informou nesta sexta-feira (02/07) ao Supremo Tribunal Federal (STF) que instaurou inquérito para apurar se o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) prevaricou ao não comunicar à Polícia Federal supostas irregularidades no processo de compra da vacina indiana Covaxin.
Bolsonaro teria sido comunicado quanto à “pressão atípica” sofrida pelo servidor do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Fernandes Miranda, para autorizar o pagamento à empresa que intermediaria a compra de 20 milhões de doses do imunizante produzido pela Barath Biotech.
O alerta do servidor e seu irmão, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), teria sido feito em 20 de março, em reunião no Palácio da Alvorado. Bolsonaro teria então dito que acionaria a Polícia Federal para investigar o caso, o que não aconteceu.
“Cumpre que se esclareça o que foi feito após o referido encontro em termos de adoção de providências”, escreve o vice-procurador-geral da República, Humberto Jaques de Medeiros, na manifestação encaminhada nesta sexta-feira ao STF.
Segundo a legislação, o crime ocorre quando um funcionário público “retarda ou deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.
No caso específico, seria a suposta não comunicação de eventual irregularidade para outras autoridades investigarem. O Código Penal prevê pena de três meses a um ano de prisão e multa.
No inquérito, a PGR vai apurar notícia-crime apresentada à Suprema Corte na segunda-feira (28) pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Fabiano Contarato (Rede-ES) e Jorge Kajuru (Podemos-GO).
A manifestação da procuradoria foi encaminhada à ministra Rosa Weber e o prazo sugerido para as investigações é de 90 dias.
Entenda os 5 pontos em que a PGR investigará Bolsonaro por suposta prevaricação.
1. Depoimento dos irmãos Miranda
A base da notícia-crime apresentada por Randolfe, Contarato e Kajuru são os depoimentos prestados no último dia 25 de junho pelo deputado federal Luis Miranda e seu irmão, Luis Ricardo Fernandes Miranda, servidor concursado do Ministério da Saúde, durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia.
2. ‘Pressão atípica’
No depoimento, o deputado Luis Miranda disse ter advertido o presidente Bolsonaro de que seu irmão – servidor público do Ministério da Saúde – tinha sofrido “pressão” para autorizar o pagamento pela pasta para a empresa que intermediara a aquisição de 20 milhões de doses da vacina Covaxin, produzida pela empresa indiana Bharat Biotech.
Essa informação não consta da manifestação da PGR, mas, no Brasil, o negócio foi intermediado pela Precisa Medicamentos, empresa cujos sócios estão envolvidos em ações judiciais por processos anteriores de compras de produtos de saúde mal sucedidos.
A empresa tem como sócio o empresário Francisco Maximiano, que teria relações próximas com o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR).
3. Denúncia à PF e envolvimento de Ricardo Barros
Ainda segundo os irmãos Miranda, em seu depoimento à CPI, Bolsonaro teria dito que acionaria a Polícia Federal para investigar o caso, destaca a PGR em sua manifestação ao STF.
Vale lembrar, porém, que a Polícia Federal informou, em 24 de junho, que não havia aberto nenhum inquérito sobre a compra da Covaxin, conforme informou a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) à CPI naquela data. O dia foi a véspera do depoimento dos irmãos Miranda à comissão, quando as denúncias feitas por eles já eram amplamente noticiadas pela imprensa.
Apenas no dia 30 de junho, e após a CPI ter levantado indícios de irregularidades na transação, a PF finalmente abriu inquérito para investigar o caso.
Novamente conforme o depoimentos dos irmãos Miranda e segundo o documento da PGR, na reunião realizada em 20 de março no Palácio da Alvorada, Bolsonaro teria relacionado as supostas irregularidades ao deputado federal Ricardo Barros.
4. O ministro Eduardo Pazuello também sabia?
Um quarto ponto que consta da manifestação protocolada pela PGR ao STF na manhã desta sexta-feira é que o alerta das supostas irregularidades também teria sido dado ao então titular do Ministério da Saúde, general Eduardo Pazuello, durante uma viagem oficial.
5. Possível prevaricação
A PGR afirma que há “dúvida acerca da titularidade do dever descrito pelo tipo penal do crime de prevaricação”, ou seja, que ainda não está claro qual funcionário público incorreu em prevaricação ao não comunicar o caso para ser investigado.
A procuradoria vê ainda “ausência de indícios que possam preencher o (…) elemento subjetivo específico, isto é, a satisfação de interesses ou sentimentos próprios dos apontados autores do fato”. Ou seja, não vê por ora indícios de interesses pessoais na não-comunicação das alegadas irregularidades.
Ainda assim, o órgão avalia que é preciso esclarecer que providências foram tomadas pelas autoridades após a denúncia dos irmãos Miranda.
O que a PGR vai fazer agora
Para formar opinião sobre se cabe ou não abertura de ação penal com relação a esse caso, a PGR pede autorização do STF para que a Polícia Federal solicite informações à Controladoria-Geral da União (CGU), ao Tribunal de Contas da União (TCU), à Procuradoria da República no Distrito Federal, e em especial à CPI, para compartilhamento de provas.
A PF também deve produzir provas por conta própria, fazendo uso de testemunhas e ouvindo aqueles que supostamente comentaram as irregularidades, para saber se houve omissão e dolo (prejuízo) para satisfazer interesse pessoal.