Os casos de tortura no sistema prisional brasileiro aumentaram 37,6% de janeiro de 2021 a julho de 2022 na comparação com igual período de 2019 e 2020, aponta relatório da Pastoral Carcerária Nacional, da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Foram registrados 223 casos no documento Vozes e Dados da Tortura em Tempos de Encarceramento em Massa. Na edição anterior, foram 162 registros. Entre as denúncias reunidas, estão situações de violência física, falta de alimentação e de água e ausência de atendimento médico.
“O último relatório de tortura foi feito durante a pandemia de covid-19 e, nesse período, muitos familiares e a assistência religiosa não conseguiam entrar no cárcere. Elas estavam sendo barradas. A gente acredita que a volta dessas visitas, tendo em vista que muitas denúncias chegam pelos agentes da pastoral e pelos familiares, foi um dos fatores que fizeram aumentar as denúncias. Recebemos mais casos”, explica Carol Dutra, do setor jurídico da Pastoral Carcerária.
A maioria dos casos denunciados pela pastoral está em São Paulo. Foram 71 registros, o que representa 31,83% do total. Em seguida está Minas Gerais, com 31 casos. Não foram recebidas denúncias de Acre, Alagoas e Rio Grande do Norte. A entidade destaca que o estado paulista permanece como “território de extrema truculência e brutalidade contra as pessoas presas”. Nos relatórios anteriores, o estado, que tem a maior população carcerária do país, com mais de 200 mil detentos, também estava na liderança das denúncias.
A entidade chama atenção que o número reduzido de denúncias, ou mesmo a ausência de casos em alguns estados, não representa ausência de violações ou preservação dos direitos dos presos nesses locais. “Pelo contrário, o baixo números de casos pode ser resultado de atmosferas punitivas que circundam o espaço prisional, que ameaçam e alimentam o medo dos/as denunciantes que são coagidos/as a ficarem em silêncio”, alerta o documento.
Tipos de violações
A agressão física é o tipo de violação mais frequentes nos presídios, mais da metade das denúncias apresentadas são de socos, tapas, chutes, tiros, pauladas, entre outras. Outra comportamento frequente, com 81 casos (36,32%), é o tratamento humilhante ou degradante, como manter pessoas presas sentadas no chão debaixo de sol quente, impedir o banho de sol por dias, semanas e até meses, manter as pessoas presas dormindo no chão, aplicar castigo coletivo, entre outras.
Também são comuns violações contra familiares, como negar direitos como de visita, de envio de itens básicos de sobrevivência, direito de envio de cartas e de entrada de determinados alimentos, humilhações e xingamentos.
“Infelizmente a ausência do Estado é recorrente em qualquer relatório, seja de qualquer ano. A gente recebe poucas respostas, elas costumam demorar muito tempo e, quando a gente recebe, eles [instituições] alegam que as respostas são genéricas porque a gente mantém as vítimas no anonimato, por uma questão de segurança”, aponta Carol.
Encaminhamentos
A partir do recebimento das denúncias, a Pastoral Carcerária Nacional encaminha ofícios aos órgãos do sistema de justiça criminal, solicitando a investigação do caso e a adoção de medidas. A depender dos casos, também são adotadas medidas que envolvem as próprias lideranças da pastoral mais próxima da unidade prisional.
Dos 223 casos, portanto, 37 foram monitorados por agentes locais da entidade e, por isso, não constam na análise das respostas institucionais. Foram encaminhadas 186 denúncias a órgãos públicos, 31 não tiveram resposta. “O número é assustador, mas não surpreende. A Pastoral Carcerária vem relatando ao longo dos anos a insensibilidade dos órgãos da execução penal na apuração das denúncias enviadas”, aponta o documento.
A entidade também critica o descrédito ou valorização dos relatos apresentados. Em 80% dos casos, a instauração de procedimento interno é a medida adotada pelo órgão de controle. A pastoral avalia que essa dinâmica é natural do ponto de vista burocrático, mas deve ser repensada quanto a preferência em ouvir “a própria Administração, ignorando as vítimas”.
“A partir do momento que as pessoas são presas, elas perdem a sua voz, perdem sua subjetividade, sua identidade, então quando elas denunciam, quando os familiares denunciam, eles não são entendidos como pessoas que são dignas, que têm o direito de denunciar as violências que eles próprios estão submetidos. As instituições não dão voz e deslegitimam totalmente a fala delas ou até mesmo responsabilizam elas pela violência que sofrem”, critica Carol.
Ela acrescenta que, ao enviar os ofícios, a pastoral sugere uma série de medidas, mas há um procedimento padrão que deveria ser adotado pelos órgãos de controle, como inspeção in loco, oitivas com parte ou com o total de pessoas presas, além de exame de corpo de delito das vítimas.