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Soldados sem armas

300 de Bolsonaro declaram guerra aos comunistas

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Autor/Imagem:
Lisandra Paraguassu/Reuters

Em meio a um número crescente de casos e mortes causadas pelo coronavírus, um grupo de brasileiros ignora os riscos e se reúne em Brasília para aprender sobre “revolução não violenta”, “táticas de guerra de informação”, em um treinamento em local não identificado de uma “milícia não violenta e desarmada” de defesa do presidente Jair Bolsonaro.

O grupo, que se autodenomina “300 do Brasil”, já conseguiu arrecadar mais de 67 mil reais em uma vaquinha online e seu canal no Telegram, aberto, tem mais de 3 mil membros. Ali, a convocação deixa clara qual é a ideia do grupo.

“O presidente da República, Jair Bolsonaro está por sofrer um golpe de Estado, protagonizados por Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre e Dias Toffoli. Civis e militares de todo o país organizam o maior acampamento contra a esquerda e a corrupção do mundo, que será feito em Brasília”, diz a primeira convocação do grupo. “Lembre-se, você não é mais um militante, você é um militar, um militar com uma farda verde e amarela, pronto para dar a vida pela sua nação.”

O tom militar, a arrecadação de recursos sem um objetivo específico –a não ser treinar pessoas para dar “sangue, suor e sono” em prol do Brasil– chamou a atenção da Procuradoria Geral da República. O Ministério Público Federal já pediu uma investigação sobre o “acampamento dos 300”, segundo uma fonte da instituição a par do caso ouvida pela Reuters.dealizadora do grupo, a ativista Sara Geromini –conhecida como Sara Winter– garante que o “300 do Brasil” não usa armas. Na verdade, em uma de suas postagens, explica que o treinamento é de guerra sem armas porque em uma “ditadura” a primeira coisa feita é tirar as armas da população.

“São táticas de inteligência, de investigação de geopolítica. Tivemos instrução de guerra não violenta, desobediência civil vindos da literatura de Olavo de Carvalho”, disse Sara em uma entrevista à Reuters. “Ele nos deu uma força moral, mas não é nosso mentor ou guru”, ressaltou.

Cercado de mistérios, a ideia do grupo surgiu em uma live em rede social feita por Sara e outros dois conhecidos blogueiros bolsonaristas, de um “acampamento” em defesa do presidente Jair Bolsonaro.

Ex-membro do coletivo feminista Femem no Brasil, Sara fez um giro de 180 graus em suas crenças políticas e, desde 2015 passou a atuar em grupos de extrema-direita. Até outubro do ano passado, Sara trabalhava no Ministério da Família como coordenadora de Atenção Integral à Gestante e à Maternidade, quando foi exonerada. Hoje, voltou a se dedicar a palestras, livros e suas redes sociais.

Sara contou à Reuters que o nome veio da ideia dos “300 de Gideão”, uma história bíblica em que, incentivado diretamente por Jeová, o povo judeu venceu uma batalha com apenas 300 homens.

Guerra ao comunismo
Seus alvos principais são os “comunistas”, que na visão do grupo estão infiltrados em todos os lugares –entre os ministros do Supremo Tribunal Federal, no Congresso, na PGR.

“Os 300 não respeitamos, nós desmoralizamos (os comunistas), os deixamos com medo. Eles sairão do poder por bem ou mal. Isso não significa assassinar. Quando digo que quero ucranizar é que queremos tirar os comunistas e corruptos do poder com a indignação da povo”, explicou.

No final de abril, Sara começou uma convocação por suas redes sociais. O acampamento chegou a ser marcado para o dia 2 de maio e, no canal do Telegram, era possível ver vídeos de pessoas chegando a Brasília, em ônibus e até avião.

Nesse momento, uma vaquinha online foi criada. A intenção seria garantir pagamento para os treinadores, o local do acampamento e uma refeição por dia aos cooptados.

A tropa dos 300 não revela o local do acampamento base, segundo Sara para evitar que pessoas indesejadas, que queiram provocar, ou não tenho seus antecedentes checados, possam tentar se infiltrar no grupo.

Mas alguns vídeos mostrando treinamentos e palavras de ordem foram colocados nas redes. O grupo criou um grito de guerra: “300 do Brasil, arru, arru, arru”. O vocábulo, explica Sara, não tem um significado além de querer mostrar força e “assustar o inimigo”.

“Nós temos uma pegada meio militarizada, temos muitos ex-militares. Eles sugeriram isso. Foi uma coisa que pegou para mostrar garra, até para assustar o inimigo”, explicou.

Os 300 fizeram sua estreia na manifestação do último domingo, em frente ao Palácio do Planalto, que clamou contra o Supremo Tribunal Federal e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Na véspera, tentou montar um acampamento na Esplanada dos Ministérios –apesar das barracas todas iguais, o movimento teria sido “espontâneo”– mas foi impedido pela Polícia Militar do Distrito Federal.

Em um vídeo, militantes aparecem bradando de que só sairiam dali quando “Maia cair” ou quando os 11 ministros do STF “entenderem que não são semi-deuses”.

Nos dias seguintes, o grupo tentou montar um outro acampamento, dessa vez em frente ao STF, sem sucesso. Depois de conversar com o comando da PM do DF, Sara foi às redes bradar contra os policiais.

“Resumindo a reunião com a PMDF e demais órgãos de segurança do DF: não pode barraca, não pode faixa, não pode ocupar o Congresso (mesmo que seja nosso). Não pode nada”, escreveu nas redes sociais, acrescentando alguns palavrões.

Desde então, o grupo tentou fazer uma ação em frente ao Palácio da Alvorada, em uma demonstração ao presidente de seu treinamento, mas não conseguiu. As outras ações programadas também não foram feitas, mas a intenção é reaparecer em mais uma manifestação marcada para esse sábado, em Brasília.

Tropa de choque
O cientista político Creomar de Souza, afirma que o surgimento de um grupo como os 300 pode ser creditada a uma tentativa de criar uma militância aguerrida em um momento de diminuição da base de apoio espontânea do presidente.

“Esse movimento me parece jovem, bastante organizado, tem organicidade, não é espontâneo. Mudou do panorama de estamos aqui espontaneamente para uma organização”, disse à Reuters. “Esse processo de militância é a última barreira, é quem dá suporte ao governo.”

Toda militância, lembra o professor da Universidade de Brasília, tem a função de tropa de choque, de afrontar o descontente.

“O que a gente precisa entender é se essa militância vai ficar nos gritos de guerra ou se evolui para um comportamento mais agressivo”, avaliou. “É cedo para saber qual impacto terá no jogo político.”

A intenção do grupo é ir além do acampamento de Brasília, diz Sara. Não há recursos por enquanto, diz ela, para levar os “treinamentos” a outros Estados, mas quem passar por Brasília tem a função de montar seus núcleos de manifestação nas cidades.

“Nós temos que levar em consideração que a esquerda tem esse tipo de treinamento há 50 anos, em áreas rurais e urbanas, bancada por muito dinheiro, financiada por empresas. Precisamos organizar a direita para manter a governabilidade”, defendeu.

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