Qualquer cidadão do mundo que preza a democracia despreza o regime de Nicolás Maduro na Venezuela. Entretanto, o mesmo cidadão não pode ser hipócrita e discordar do sucesso de Hugo Chávez na análise sobre o veto do Brasil à entrada da Venezuela no grupo de “países parceiros” do Brics. Rememorando o estilo a volta dos que não foram, Luiz Inácio não foi a Kazan, na Rússia, mas daqui mesmo, sem a necessidade do Var, expulsou ainda maduro o Nicolás que ele havia amarelado faz tempo. Líder dos mais contestados, Maduro é uma mala sem alça, mas o gesto do governo brasileiro soou como “agressão” barata, além de representar o aumento do desnecessário desgaste das relações Brasília-Caracas.
Para alguns, a decisão evidenciou uma vassalagem explícita aos interesses de classe da União Europeia e dos Estados Unidos, particularmente os de Joe Biden. Como quem planta vento colhe tempestade, esperemos o que está por vir. A ideia do governo petista de manter a hegemonia latino-americana no bloco deve gerar mais hostilidades entre os dois países. Alvo de críticas da comunidade internacional, o ex-aliado do Brasil pré e pós-Bolsonaro tende a se distanciar ainda mais da nação comandada por Luiz Inácio. Os laços que já uniram Lula a Maduro estão puídos e quase se rompendo definitivamente, o que não é bom para gregos e baianos.
Obviamente que o imbróglio deve se restringir ao âmbito político. Passar disso significará prejuízos econômicos para os dois e certamente o aumento das tensões na fronteira, em Roraima, por onde entram diariamente centenas de refugiados venezuelanos. Desejar distância do Vasco da Gama ou do Corínthians não pode ser jamais sinônimo de ódio, muito menos do desejo incontido de exclusão desses clubes das competições nacionais. Independentemente dos questionamentos acerca da legitimidade da vitória de Nicolás, as diferenças precisam ser resolvidas de forma bilateral, imparcial e pacífica. O Brasil e o mundo sabem que Lula da Silva é capaz disso. Tomara que ele volte a agir por si mesmo.
Por isso, o Brasil ainda é uma pátria democrata, daquelas na qual, como diz o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal, nenhum tema é tabu. “Tudo pode e deve ser debatido à luz do dia”. Para determinados pensadores, a essência da democracia é a convivência harmoniosa das diferenças. Exatamente como Lula age em relação a Javier Milei, hoje seu principal adversário ideológico e de ações na América do Sul. Teoricamente, Milei, que chama Lula de “ladrão” quase todos os dias, deveria estar no mesmo patamar de Maduro, isto é, a anos luz da premissa democrática da boa convivência. Por razões óbvias, o presidente argentino não está. Eles se odeiam, mas, pelo bem da antiga e volumosa parceria comercial, conseguem esconder a animosidade do grande público dos dois países.
Eles só deixam de lavar a roupa suja nos bastidores ou via chanceleres quando a órbita das críticas é invadida pelo clã que domina os “patriotas” brasileiros. No episódio envolvendo Maduro e os Brics, o presidente brasileiro talvez tenha ganho alguns pontos com Tio Sam, mas certamente perdeu a condição de único líder regional para governantes importantes como o russo Vladimir Putin e o chinês Xi Jinping, ambos favoráveis à adesão venezuelana. Vale lembrar que o veto é antigo, do tempo de Jair Bolsonaro, ou seja, não partiu de Lula. Todavia, em nome da proximidade sem arestas e conflitos, poderia ter sido revertido.
Se temos razoáveis relações com os regimes da Rússia e da China, por que não tentarmos com o da Venezuela? Não tentar significou ser comparado ao “pior” das políticas do governo de Jair Messias. É claro que nenhum brasileiro que defende os princípios da democracia é favorável ao regime ditatorial de Nicolás Maduro. No entanto, considerando que vetar o Vasco e o Corinthians esvaziaria o Brasileirão, por que não mantê-los e tentar vencê-los nas quatro linhas? Melhor do que passar para a história nacional, regional e mundial como golpistas da diplomacia não intervencionista e dos princípios básicos do Brics, da esquerda, do petismo e do próprio Lula.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978