Direita cresce com crise política e traz junto os riscos da volta dos militares
Publicado
emVanessa Barbara
Por que alguns brasileiros anseiam pelos tempos em que uma junta repressora governava o país?
“Perderam em 1964 e perderam de novo em 2016”, disse Jair Bolsonaro, um deputado conservador, durante a sessão em 17 de abril em que a Câmara votou pelo prosseguimento do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Com essas palavras, ele se posicionou ao lado dos “vencedores” do golpe militar que derrubou um governo democraticamente eleito em 1964 e abriu caminho para 21 anos de ditadura militar brutal.
Bolsonaro, um ex-paraquedista do Exército e um possível candidato à presidência, dedicou seu voto naquele dia à memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe do DOI-Codi, órgão de inteligência responsável por reprimir os críticos ao regime militar. O deputado enalteceu Ustra como “o pavor de Dilma Rousseff”.
Ele está certo a respeito disso. Por três anos no início dos anos 70, a presidente, ex-guerrilheira marxista, foi submetida a choques elétricos em diferentes partes de seu corpo e suspensa em um pau-de-arara (quando a pessoa fica de ponta-cabeça, presa pelos pulsos e tornozelos). Ela sofreu sangramento interno e um de seus dentes foi arrancado por um soco de um interrogador.
Dilma foi apenas uma das milhares de pessoas torturadas pelo regime militar brasileiro. A ditadura foi responsável por inúmeras violações de direitos humanos, incluindo prisões arbitrárias, violência sexual e ocultação de cadáveres. Segundo um relatório da Comissão Nacional da Verdade, pelo menos 434 pessoas foram mortas ou desapareceram durante aquele período: jornalistas, estudantes, professores, médicos, agricultores, sindicalistas, advogados, ex-políticos de oposição, até mesmo uma dona de casa, um diplomata e três padres católicos.
Apesar de todas essas atrocidades bem-documentadas, mais de 30 anos após o fim do regime militar, algumas pessoas no Brasil parecem confortáveis em falar bem daquela época. Durante os protestos contra o governo no ano passado, senhoras seguravam cartazes dizendo: “Por que não mataram todos em 1964?” e “Dilma, pena que não te enforcaram no DOI-Codi”. Em jantares de família e em táxis, é possível ouvir conversas de como as coisas eram melhores quando os generais estavam no poder.
A classe política brasileira foi pega em um enorme escândalo de corrupção. O governo, liderado pelo Partido dos Trabalhadores de esquerda, é impopular, e a remoção de Dilma parece iminente. Nessas condições, tornou-se mais fácil defender a extrema-direita, elogiar torturados condenados como se tivessem salvado o país de um horror muito pior.
Bolsonaro, que representa o Estado do Rio de Janeiro, é o rosto mais conhecido desse movimento. Ele defende o retorno ao regime militar há mais de 20 anos, mas ultimamente sua mensagem tem encontrado nova ressonância. Ele foi reeleito com margem ainda maior de votos em 2014 e atualmente é o candidato presidencial preferido dos mais ricos para as eleições de 2018, obtendo entre 15% e 23% de suas intenções de voto em pesquisas recentes. Mas ele não está sozinho.
Junto com outros políticos conservadores, ele pertence à poderosa bancada BBB (abreviação de Bíblia, Boi e Bala), que representa os interesses das forças de segurança, do agronegócio e das igrejas evangélicas. Nem todos os membros da bancada são saudosos dos tempos do regime militar (ao menos não abertamente), mas parecem preferir uma ditadura de direita a um governo democrático liderado pela esquerda. Um deputado até mesmo veste uniforme militar para ir trabalhar e se refere ao golpe de 1964 como uma “revolução democrática”.
A nostalgia do autoritarismo parece ter virado uma tendência. Bolsonaro diz que o povo brasileiro sente falta dos valores morais dos militares: “Tinha vergonha na cara, respeito à família. Hoje é essa baixaria”, ele disse em uma entrevista a um site de notícias, mencionando especificamente a legalização da maconha como um dos muitos fracassos morais do Brasil atual.
De acordo com uma pesquisa de 2014, 51% dos brasileiros acham que as ruas eram mais seguras durante o regime militar. “Foi uma época maravilhosa, em que se podia caminhar nas ruas com segurança e sua família era respeitada”, disse Bolsonaro em uma entrevista para a TV. (Eu acrescentaria que só era verdade se você ou sua família não fossem rotulados pelo governo como “subversivos”, “terroristas” ou “inimigos do Estado”, que podia ser qualquer um que ousasse falar contra o regime ou mesmo uma mãe perguntando sobre sua filha assassinada.)
Há também uma impressão geral de que a corrupção, que está destruindo o atual governo, não existia naquele tempo. Isso não é verdade, é claro. Sabe-se hoje que durante o regime militar houve casos de policiais trabalhando com traficantes de drogas, e de governadores recebendo propina, entre outros exemplos de corrupção. O que não existia naquela época era liberdade de expressão e liberdade de imprensa para denunciar os desmandos do governo.
Para Bolsonaro, abrir mão da liberdade dos brasileiros é um pequeno preço a pagar para “ter professores respeitados na sala de aula” e poder comprar um revólver “inclusive na Mesbla”.
Mas talvez quando Bolsonaro e seus simpatizantes enaltecem os tempos de valores familiares, direitos de porte de armas e respeito aos professores, eles realmente sentem falta de outra coisa: o tempo em que as elites conservadoras eram pouco contestadas, quando os menos privilegiados (as minorias e os pobres) não podiam fazer nada além de seguir ordens.
Nas últimas décadas, especialmente desde que o Partido dos Trabalhadores chegou ao poder há 13 anos, essa realidade mudou, ainda que de forma incompleta. Agora a democracia significa que todos os cidadãos têm o mesmo status e que todos merecem uma voz. Talvez toda essa nostalgia pela ditadura militar trate-se realmente de manter as pessoas em seus lugares.