Mudando de vida. Do modess à velocidade dos mil quilômetros de Brasília
Publicado
emJosé Escarlate
Brasília, idos de 1966/67. Para quem havia vendido dois milhões em modess, na Johnsosn & Johnson, no Rio, com pagamento no ato do pedido, a minha passagem pelo Farmasa, em Brasília, representou um fracasso.
As vendas aqui eram baixíssimas, por conta da dificuldade de crédito e dos problemas causados pelo arrocho imposto pela revolução. Se comparada com o Rio, a situação de endividamento do comércio de Brasília era terrível. A população, infinitamente menor e os pontos de vendas, desalentadores.
Recreação – No final de setembro me desliguei do Farmasa, muito a contragosto do diretor do laboratório. O Araújo pediu que eu fosse ao Teatro Nacional, ainda em construção, e me apresentasse ao Sebastião Medeiros. Tratava-se do Diretor-Geral do Departamento de Turismo e Recreação do Distrito Federal – DETUR -, que alí funcionava. Um pernambucano alto, bem falante e que me pareceu a princípio um tanto enrolado.
Conversamos pouco mais de meia hora e o Tião Medeiros, como era chamado, mandou que o seu chefe de gabinete, o Ramalho Neto, preparasse uma portaria me nomeando guia de turismo. Eu pulei, mas ele explicou: “Quando o Araújo me falou de você eu disse que não tinha nenhum cargo mais elevado a oferecer, por enquanto. A assessoria de imprensa está ocupada pelo Thessys, um jornalista gaúcho que vem fazendo um bom trabalho aqui. Mas você não será guia de turismo, de forma alguma – garantiu. Isto será apenas a porta de entrada.”. E realmente foi.
Apertou uma campainha e minutos depois entrou na sala um mineiro, de sotaque carregado e a pele marcada por descoloração. “João Gualberto – disse -, este é o Escarlate, cunhado de um grande amigo meu, e que vai ajudá-lo no trabalho de promover eventos aqui em Brasília. Ele será o seu segundo” – enfatizou Sebastião. Fui registrado no Detur no dia 1 de novembro de 1967. Salário, meio curto.
Pré-carnavalescos – João Gualberto Campos de Lima e Mendes, de tradicional família mineira, era engenheiro da Novacap e companheiro de trabalho do prefeito de Brasília, engenheiro Wadjô da Costa Gomide, a quem tratava por você. Ele dirigia o setor de Recreação. Simpático, agradável, mas de pavio curto, sentí que caí nas suas graças.
Com o João Gualberto trabalhei muito tempo nas ações de recreação que englobavam um naipe de coisas. Inclusive bolar e promover atividades para as regiões mais carentes do DF. Organizei muitos bailes pré-carnavalescos no Teatro Nacional, cujas obras estavam paralisadas, onde funcionava o Detur.
Quem cuidava da parte de turismo era o Mauro Valverde, um ex-colunista social do Diário Carioca, do Rio, que atendia pelo codinome de Jean Pouchard. Totalmente irreverente, nas reuniões que havia todos os dias pela manhã, e da qual eu participava, o Pouchard, de cara inchada pela ressaca, primava por apresentar idéias das mais absurdas para as promoções turísticas. Eram tão absurdas e caras que muitas delas mesmo assim entraram na nossa programação. E, com a ajuda do bom Deus, sucesso absoluto.
As garotas do Detur – Claro que eu não seria guia de turismo de Pouchard. Para trabalhar com ele, as meninas do Detur teriam que ser elegantes, atraentes e, como diria Vinícius de Moraes, beleza era fundamental, “que me perdoem as feias”.
O plantel de garotas do Detur era excelente, de alta qualidade. Inclusive, uma delas, a Xênia, morena bem acabada, terminou virando noiva do Tião Medeiros, solteirão inveterado. Mas não casou com ele. Um dos dois pipocou.
Mas tinha a Vera Andrews, uma morena belíssima, falsa magra. A Ilná, que todos tratavam por Naná, a Sheila Costa, que depois virou apresentadora do telejornal “Pirelli”, que eu escrevia, na TV Brasília. A Sheila era muito alegre e, mais tarde, casou-se com um oficial do Exército e foi rodar pelo Brasil.
Corrida – Uma das grandes promoções que fizemos no Detur foi a organizar a nova edição dos “Mil quilômetros de Brasília”, aproveitando a explosão dos irmãos Émerson e Wilson Fittipaldi, do José Carlos Pace, o “Moco”, Luiz Pereira Bueno, Antonio Carlos Avallone, que já competiam nas pistas inglesas, do Camilo Cristófaro e muitos outros nomes que se destacavam no automobilismo.
Nos Mil Quilômetros de Brasília, a largada era à meia-noite do sábado, estendendo-se até ao meio-dia de domingo. Nas amplas avenidas do Plano Piloto apresentavam-se os Porches da Dacon, as Lolas T 70, os Fords GT 40, as BMW Esquife, Alf e os Pumas, que eram a grande sensação. O mineiro Toninho da Mata e o paulista Luiz Antonio Grecco arrebentavam a boca do balão, tirando tudo de suas máquinas.
Jovens pilotos da cidade treinavam todos os dias no estacionamento do estádio “Pelezão”. Alí futuros campeões eram forjados, não só nas pistas improvisadas, mas também na preparação de motores. Entre eles, o nosso tricampeão mundial Nelson Piquet Souto Maior, que corria escondido do pai, o ex-ministro da Saúde e deputado federal, Estácio Souto Maior.