Lucas Arruda destaca polaridades nas pinturas em mostra na Galeria Wood DM
Publicado
emCamila Molina
Interessado em mitos e contos, o pintor Lucas Arruda resgata uma lembrança da infância, a de ouvir seu pai cantar Assum Preto, de Luiz Gonzaga. Diz o forró que o costume de furar os olhos do pássaro – “talvez por ignorança / ou mardade das pió” – o deixa não apenas impossibilitado de voar, como também o faz “cantá mió”. “Me intrigava dessa história que o bichinho, enquanto estava vendo tudo, deslumbrado, ficava com um canto disperso; e a partir do momento em que não via mais as coisas, parece que, pela memória do mundo, conseguia organizar o seu canto, deixá-lo bonito”, comenta o artista.
Na sala principal da Galeria Mendes Wood DM, onde Lucas Arruda acaba de inaugurar a exposição Deserto-Modelo – as above, so below, o visitante encontrará uma instalação criada apenas com projeção de luz. No espaço totalmente vedado, retângulos tornam-se aos poucos visíveis nas paredes – e sendo cada um deles formado por uma área inferior, quase quadrada, sutilmente feita com tinta e outra, em cima e do mesmo tamanho, delimitada somente pela incidência de luminosidade, o espectador presencia uma surpreendente cadência de claros e de escuros.
Como explica o artista, a região iluminada desses trabalhos etéreos representam o céu – “parte sonhada, imaginada, a fantasia, o irreal, o lembrado”. Já o quadrado de quase imperceptível tinta embaixo, meio fosco, “seria a terra, o real, o palpável”. “Quase como yin-yang” ou “ideogramas da pintura”, a composição de Lucas Arruda fala de uma “utopia de equilíbrio”, ele afirma – e sua instalação nos faz lembrar das marinhas serenas das fotografias de Hiroshi Sugimoto. As polaridades, ele expressa, interessam ao pintor paulistano. E assim como na melancolia da narrativa de Assum Preto, é uma linha muito tênue a que separa a escuridão do radiante.
Monotonia – Curiosamente, Lucas Arruda, de 32 anos, conta que já foi criticado pela “monotonia” de seus trabalhos – o que, na verdade, se trata de persistência, de “depuração” de um mesmo assunto. Explicando melhor, desde 2011 ele vem realizando pinturas que podem ser vistas como as mais puras marinhas ou as mais puras paisagens – nelas, apenas uma linha do horizonte separa o céu e o mar; o céu e a terra. “Estou há tanto tempo fazendo essas paisagens que o tema paisagem quase se dissolveu, quase se tornou uma estrutura para mim”, afirma. Nessas obras, grande parte delas, pequenas telas, o pintor cria “atmosferas”.
Ao mesmo tempo que o artista apresenta sua nova instalação de luz – versões semelhantes da obra foram expostas, em 2015, na 1 ª Bienal Internacional de Assunção, no Paraguai, e na galeria Herald ST, em Londres – Deserto-Modelo – as above, so below continua em outro espaço da Mendes Wood DM, a sala envidraçada que fica de frente para o jardim interno. Neste local aberto e naturalmente iluminado, Lucas Arruda mostra uma bela sequência linear de suas pequenas telas, todas pintadas recentemente.
Neste segmento da exposição, é como se encontrássemos uma série de pinturas que representam uma mesma vista para o mar, entretanto, apreendida em dias diferentes – e algumas parecem de um outro tempo, remetem a Turner. “A ideia de fazer as pinturas do mesmo tamanho e mostrá-las no mesmo espaço é uma maneira de enfatizar a repetição, e, ao mesmo tempo, as variações sutis”, diz o artista.
No deserto, ele lembra, qualquer coisa que acontece – um risco no céu; um rastro na areia – ganha eloquência. “Nesse lugar que não tem peso de linguagem, você experimenta uma sensação de suspensão temporal, metafísica”, comenta. Quando Lucas Arruda define que a paisagem se tornou uma espécie de estrutura, ele reforça, portanto, o fato de o tema estar ligado, melhor dizer, “a um estado mental”.