Contabilidade criativa virou pedaladas fiscais e jogou o PT de vez na lona
Publicado
emÉric Barreto
Foi-se o tempo em que o verbo pedalar se referia apenas à rotação de um instrumento chamado pedal. Desde o final de 2014, o termo “pedalada” foi se tornando cada vez mais popular e chegou ao seu auge em 2016, quando o Senado e a Câmara, em função das “pedaladas fiscais”, deram seguimento ao impedimento da presidente Dilma. Nos veículos de imprensa e no mundo financeiro, o termo “pedalada contábil” também prosperou.
No dia 17 de abril de 2015, “O Globo” afirmou que a palavra “pedalar” costumava ser usada pelos técnicos que lidavam com o orçamento público, sendo sinônimo de postergar uma despesa. Em outros segmentos, o verbo pedalar também tinha um papel maior do que o de mover uma bicicleta.
Não é difícil lembrar dos famosos dribles do Robinho quando, em meados de 2002, pedalou no ar em direção a Rogério, lateral do Corinthians. A expressão “pedala Robinho”, que feriu tantos corações corintianos, ainda é utilizada em situações diversas, até por quem não se importa tanto com futebol.
No mercado financeiro, os bancos de crédito consignado utilizavam o termo para designar uma forma comum de captação. Diziam que o banco estava “pedalando a bicicleta” quando ele vendia sua carteira de empréstimos para viabilizar novas transações. Uma ação que se transformava em um impulso para o próximo movimento –ou seja, o de conceder novos créditos– sem deixar a bicicleta cair.
Não é claro se a expressão “pedaladas fiscais” tem origem em postergações, dribles ou continuidade. O fato é que, com a publicidade diária, elas, que antes eram chamadas pela imprensa de “contabilidade criativa”, transformaram-se em uma marca, em um ativo intangível que colocaria na lona o governo petista.
A contabilidade criativa nas contas públicas não é bem-vista, pois carrega o estigma de pouca transparência. A prática foi utilizada nos governos dos três últimos presidentes eleitos, mas aumentou consideravelmente em 2014 e 2015, provavelmente porque, com a queda na arrecadação decorrente da crise econômica, as metas de superavit não seriam atingidas. Isso corrobora a tese de que a manipulação contábil seria um sintoma, e não a causa de uma crise.
As tais pedaladas do governo liderado por Dilma foram a postergação do repasse de verbas do Tesouro Nacional para bancos públicos e autarquias que faziam pagamentos de programas sociais e de empréstimos subsidiados –quando o banco concede um empréstimo a uma taxa mais baixa que a taxa de mercado, e o Tesouro paga ao banco a diferença que este deixou de ganhar por não cobrar do cliente o valor usual.
Parece estranho, mas um gasto incorrido e não pago dentro de determinado ano não é registrado como despesa daquele período. Assim, o ano fica com menos despesas, aparentando um resultado melhor. Futuramente, o Tesouro liquida a obrigação, que aparece registrada como uma despesa do exercício corrente, e não do anterior.
O Tribunal de Contas da União rejeitou as contas do governo Dilma, pois entendeu que a postergação de pagamentos teria natureza de empréstimo, o que não poderia ser feito sem a aprovação do Congresso. A origem dessa restrição está relacionada às crises fiscais das décadas de 1980 e 1990, quando bancos públicos financiaram o excesso de gastos dos Estados e enfrentaram problemas de solvência.
Algumas interpretações, como a do recente despacho do MPF (Ministério Público Federal), entendem que essas transações não se enquadram no conceito legal de empréstimo ou no de operação de crédito, portanto não precisariam da aprovação do Congresso. Assim, as pedaladas seriam medidas administrativas e não crimes de responsabilidade, já que elas não beneficiaram financeiramente um amigo ou alguém do governo, ou mesmo terceiros. O MPF também concluiu que a prática minou a credibilidade das contas públicas e funcionou como um drible nas estatísticas do Banco Central.
No entanto, outros entendem que as pedaladas são um crime de responsabilidade do governante. O PSDB, em seu site, afirma que, “sem transferir o dinheiro para essas instituições, a contabilidade mensal do governo aparecia sempre melhor do que ela estava na prática. Dessa forma, o mercado financeiro acabava “enganado” pela manobra, sem ter a noção exata de que as contas da União estavam piores do que apontavam os dados”.
Na literatura contábil, encontramos frequentemente o termo fraude –ou seja, práticas contrárias às normas vigentes– e também as expressões contabilidade criativa e gerenciamento de resultados –que se referem a práticas deliberadamente utilizadas para apresentar um resultado desejado e que, apesar de serem oportunistas, normalmente não ferem as normas contábeis.
Na minha tese de doutorado, utilizei a expressão “manipulação contábil” como um conceito que englobaria tanto fraude como gerenciamento de resultados. A pedalada ainda não conquistou o ambiente acadêmico, mas, com toda a divulgação que teve, dificilmente nos esqueceremos dos novos significados dessa palavra.