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Pesadelo eterno

Paz com as Farc não garante paz na Colômbia

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Gilberto M. A. Rodrigues

O acordo de paz entre o governo colombiano e as Farc (Forças Armadas Revolucionarias Colombianas) colocou fim em um conflito armado de mais de cinco décadas de existência. O título preciso do documento é “Acordo Geral Para a Finalização do Conflito e a Construção de uma Paz Estável e Duradoura”. Agora, há dois momentos interdependentes no processo que se inicia: o fim da guerra civil e a construção da paz.

A notícia sobre a conclusão desse acordo gerou grande alívio e satisfação, especialmente na América Latina. Houve muita habilidade e determinação do governo do presidente Juan Manuel Santos para construir o processo no âmbito interno e na esfera internacional. Noruega e Cuba estiveram diretamente envolvidos nas negociações e, atualmente, continuam como garantidores do processo de implementação do acordo.

O documento em si é um roteiro para a paz. Suas 297 páginas detalham como a finalização do conflito deverá se dar e também –o que é mais difícil e mais desafiador do que o cessar definitivo e a deposição das armas­– de que maneira a paz será construída. O acordo ainda adjetiva a paz como estável e duradoura.

Há toda uma literatura dos estudos da paz que, desde o final da Segunda Guerra, vem contribuindo para as compreensões teóricas e práticas de processos de apaziguamentos. A partir daí, surgiram algumas correntes, sobretudo nos países nórdicos, como as das escolas de Oslo (Noruega), de Uppsala (Suécia), de Copenhague (Dinamarca). É importante mencioná-las aqui, pois o Acordo de Paz da Colômbia incorpora muito da experiência e das lições dos debates sobre o tema, além dos acordos que deram certo e daqueles deram errado nas últimas décadas.

Uma paz estável e duradoura não é um processo de vitoriosos e derrotados. É um processo ganha-ganha e que visa desarmar reciprocamente as partes, inclui-las na vida civil e na social e também garantir oportunidades de representação política e de prosperidade econômica. A paz positiva –para invocar o sociólogo norueguês Johan Galtung– é aquela que vai muito além da ausência de guerra, é aquela que tem as marcas das democracias política, econômica e social e a dos direitos humanos também.

O primeiro grande desafio do roteiro da paz é o de que ele seja formalmente aprovado pelo povo colombiano por meio de um referendo que ocorrerá em outubro de 2016. Ou seja, não basta que o Congresso colombiano se manifeste, o tema é por demasiado transcendente para ficar nas mãos do voto indireto. Esse passo crucial dará legitimidade a tudo o que foi longa e pacientemente negociado pelas partes interessadas. Se exitosa essa etapa, o acordo será de toda a sociedade.

Já o segundo grande desafio será lidar com os julgamentos de quem praticou crimes de guerra e graves violações aos direitos humanos. Esse é um capítulo extremamente delicado em todos os processos de construção da paz e que é conhecido como “justiça de transição”. Sabe-se, pela experiência de diversos processos de apaziguamento, que não pode haver anistia plena nem punições radicais nos mesmos moldes dos tribunais comuns. Deve ser um meio-termo, uma alternativa que contribua para impedir a impunidade, mas que colabore para reconciliar aqueles adversários que a letra do acordo, por si só, não aproxima.

O terceiro grande desafio é a reincorporação dos combatentes –sobretudo, os das Farc– às vidas civil e política. Muitos passaram a maior parte de seus anos na selva, não cursaram a escola formal e necessitam de apoio e oportunidades para esse “retorno”.

Por fim, o quarto grande desafio é garantir acesso aos meios de produção econômica –em especial, ao direito à terra–, o que implica numa reforma agrária que beneficie os antigos guerrilheiros, assim garantindo seu direito à propriedade. No entanto, essa foi uma das questões estruturais que geraram o conflito colombiano, nos anos 1960.

A expectativa da aprovação contundente do acordo pela população é grande, dentro e fora da Colômbia, apesar de haver a oposição de setores conservadores que preferiam derrotar militarmente as Farc, o que significaria gerar massacres e fomentar apenas uma paz negativa –frágil, artificial e incompleta. O roteiro da paz é, nesse sentido, uma promessa factível, que depende da confiança, do apoio e da fé da maioria.

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