Uma viagem
Castanholas e queijo suíço no caminho das medalhas
Publicado
emJosé Escarlate
Dia 6 de janeiro de 1976, 20 horas. Eu chegava ao velho Galeão – o novo ainda era sonho -, três horas antes do embarque. Roupa de lã, gola rolê e um casacão escuro que o Adão Nascimento me emprestou. Não era nenhum padrão de beleza, mas dava para quebrar o galho. O calor encostava nos 39 graus. Eu suava aos borbotões.
O terminal, superlotado. Ar refrigerado, nem em sonho. Na hora do embarque, choradeira para todo o lado dos parentes dos atletas e muita saudade espalhada pelo Galeão, que vivia o seu canto do adeus, ja que entraria em obras. Eu estavas iniciando uma viagem de três meses na Alemanha, em pleno inverno europeu.
O campeoníssimo Arí Façanha de Sá, mundialmente respeitado, já havia organizado outros programas de treinamento em países da Europa. Da missa, conhecia tudo. Designou meia dúzia de professores para auxiliar no embarque no enorme DC-10 da Varig, que estava lotado. Os passaportes ficaram com o ecônomo da comitiva
O moderno DC-10 da Varig deslizou pela pista do aeroporto até alçar voo, sacudido fortemente por suas possantes turbinas. Poucos minutos depois, quem tinha medo, teve. Quem não tinha, começou a se ajeitar nas boas poltronas – naquela época elas eram mais cômodas.
Intensa a movimentação da equipe de aeromoças, preparando os drinks que seria servidos antes do jantar. Carrinho passando, a comissária chefe avisa, pelos alto-falante, que o jantar estaria sendo servido. Palmas da comitiva brasileira. Era quase meia-noite. As opções eram carne, frango e peixe, segundo o cardápio. Naquela época não se pensava em barrinhas de cereais a bordo.
O voo abrigava muitas esperanças de medalhas olímpicas para o Brasil. Os destaques das Olimpíadas da Juventude e Militar estavam presentes. Nomes consagrados do atletismo brasileiro como o João Carlos de Oliveira, mais tarde bi-campeão olímpico, o nosso “João do Pulo”. Além dele, Zequinha Barbosa, Robson Caetano, Nelson Prudêncio, Agberto Guimarães, ainda garotos e, alguns, já “cobras”. Outros, futuros campeões.
A maior parte daquela turma jamais havia atravessado o Atlântico, a caminho da Europa, o Velho Continente. Era formada por calouros que haviam se destacado nos campeonatos universitários e estaduais. Todos traziam consigo um misto de esperança e orgulho em estar alí.
Algum tempo depois era servido o jantar, em torno da uma hora da madrugada. O vôo do DC-10 previa escala em Madri, 10 horas após a decolagem. Na capital espanhola desembarcamos por um hora, no aeroporto de Barajas, tempo suficiente para reabastecimento do avião.
Dalí, nova etapa até Zurich, na Suíça, com apenas mais duas horas e meia de voo e depois o aeroporto de Frankfurt, na República Federal da Alemanha. Nessa época, o território alemão era dividido com a República Democrática Alemã.
Para a maioria, tudo era surpresa. A ordem da chefia da delegação era para que ninguém se afastasse. Afinal o aeroporto de Frankfurt é um dos maiores do mundo, com movimentação intensa. Nos subsolos do aeroporto trafegam trens, metrôs, e rodovias com os mais variados destinos.
Claro que, em uma comitiva grande, os grupinhos se formavam. A chamada curriola. Os atletas de salto com vara ficavam juntos, os de salto em distância formavam também a sua patota, assim como os atletas sprinter e fundistas. Os “cobras” da comitiva procuravam se isolar.
Vez por outra explodia uma brincadeira, uma gozação. Eu, apenas jornalista, também formei a minha patota. Ficava com o Arí Façanha de Sá e assessores observando a turma. Juntei mais um para à minha patota, que era o médico da delegação, Vega Sena Jerônymo. A pedido dele, o “doutor” foi abolido. E nos tornamos bons amigos, principalmente na volta, já que ele morava em Brasília. Esta já era a quinta viagem que ele fazia, como médico de uma delegação esportiva. Ví que o Vega teria muito a me ensinar. O que de fato ocorreu.