Delírio no circo
DVD e CD reativam a turnê de Roberta Sá
Publicado
emAdriana Del Ré
Roberta Sá entra no palco do Circo Voador ao som de sua banda tocando Não Posso Esconder o Que o Amor Me Faz. Aparece de cabeça um pouco inclinada para baixo. Olha, então, para o público e, numa interpretação forte – suavizada por um rápido sorriso -, começa a cantar os versos: “Não posso esconder o que o amor me faz/ A sua ausência dói e eu não sou capaz”. A música de Cézar Mendes e Capinan pede essa intensidade – e, no show, vem numa versão mais cadenciada do que foi gravada no disco da cantora potiguar, Delírio, lançado em 2015.
Assim como Não Posso Esconder o Que o Amor Me Faz, outras composições desse seu mais recente álbum ganharam adaptação quando passaram para o repertório do show, que está na estrada desde que o disco foi lançado e foi registrado em CD e DVD no Circo Voador, no Rio, em maio de 2016. O projeto ao vivo acaba de ser lançado como Delírio no Circo. “Essa adaptação foi simples, porque os músicos já tinham gravado o disco. Então, eles mesmo criaram em cima do que já tinham feito. Muda muito. Mas não foi muito trabalhoso. A gente não ensaiou muito para o DVD”, conta Roberta. “As outras músicas entram na atmosfera do show.”
Usando o repertório de Delírio como base para a apresentação, a cantora também resgatou canções de seus discos anteriores. Novas e antigas músicas foram unidas pela sonoridade elaborada por sua banda. E como foi fazer essa combinação? “Não foi muito difícil, porque o show fala muito de amor. Então, foi pegar coisas que falassem de amor, de desejo. E privilegiei muito os compositores que são meus contemporâneos, tem uma música do Rubinho Jacobina (Bem a Sós), que é do Segunda Pele (de 2012), e coisas que eu ainda não tinha feito em registro ao vivo. Claro que tem músicas que a gente não consegue deixar de tocar, como Ah, Se Eu Vou, do Lula Queiroga, que acaba virando uma marca registrada. Mas coloquei, por exemplo, Um Passo à Frente, que é uma canção que eu nunca tinha gravado, que me fez olhar para o Moreno (Veloso), para a musicalidade dele.”
Moreno participa do projeto ao vivo de Roberta, cantando, tocando – e sambando – justamente nessa canção (dele e Quito Ribeiro), mas ele chega antes, em Meu Novo Ilê (outra parceria de Moreno e Quito, que está no disco Delírio). “Tenho muita preocupação de colocar no mesmo lugar o Martinho da Vila e o Tom Veloso, e o Moreno Veloso e o Rubinho Jacobina, porque a gente tem uma riqueza tão grande. E a gente tem uma riqueza também de quem está vindo. Para mim, como intérprete, essa é uma função muito preciosa, me dá muita satisfação. Como diz a canção, um passo à frente, um passo atrás”, diz ela.
“São as pessoas que tomam conta da nossa música: tanto quem protege o passado quanto quem olha para o futuro. Acho que um tocar o outro é sempre muito bom, propaga e une forças.”
E, nessa reverência também aos mestres, Roberta Sá convidou Martinho da Vila, que já havia feito participação especial na canção Amanhã É Sábado (composto por Martinho para ela) no álbum Delírio, e, em Delírio no Circo, o sambista emenda Amanhã É Sábado e Me Faz Um Dengo/Disritmia. “O Martinho virou um caso de amor. A gente gosta muito de estar junto, está sempre se chamando. Quando eu falei sobre o DVD, ele falou: vou estar lá ”
Do repertório de seu novo disco, estão ainda Me Erra, de Adriana Calcanhotto; Um Só Lugar, de Cézar Mendes e Tom Veloso; Se For Pra Mentir, de Cézar Mendes e Arnaldo Antunes; Delírio, de Rafael Rocha; Covardia, de Ataulpho Alves e Mario Lago; Boca em Boca, de Roberta Sá e Xande de Pilares. De outros repertórios, vieram Cicatrizes, do primeiro disco da cantora, Braseiro (“é dessas que não dá para deixar de tocar”, diz ela); Água Doce e Menino, de Roque Ferreira, de seu disco Quando o Canto É Reza; O Nego e Eu, de João Cavalcanti, do disco Segunda Pele.
E faz sua interpretação de Gostoso Veneno, canção de Nei Lopes e Wilson Moreira que fez sucesso na voz de Alcione. “Estava procurando algumas coisas que eu gostava de cantar, para agregar ao show, porque essas coisas são muito conhecidas. Às vezes, elas ajudam o público a entender sua mensagem. Gostoso Veneno fala muito da mensagem do show, essa paixão arrebatadora, e as letras falam nisso de maneira recorrente, bate na tecla do amor e da paixão. Acho que essa música traduz isso muito bem.”
Gilberto Gil – Delírio no Circo é o segundo registro ao vivo da carreira de Roberta Sá. O primeiro foi Pra Se Ter Alegria, de 2009. “Estava me incomodando um pouco o fato de meu único registro ao vivo ser de um momento em que eu ainda era uma cantora muito crua, muito nervosa, muito preocupada. Agora, eu estava num momento tão bom de palco, com uma banda gostosa, eles também gravaram o disco, acrescentaram coisas, e realmente achei que melhorou o som do disco (de estúdio) para o vivo. Acho que o ao vivo é melhor nesse trabalho”, acredita.
“A gente fechou o show exatamente como ele aconteceu, não editamos nada. Ao vivo, com defeito, com erro. É um contraponto ao que eu tinha feito antes. O outro eu tinha ensaiado um show para virar um DVD. Esse era um show que já estava na estrada, e a gente teve a chance de registrar.” E a escolha do Circo Voador, que ficou lotado no dia da gravação, tem a ver com a ligação afetiva de Roberta com a histórica casa de shows.
O DVD e CD reaqueceram a turnê. Em janeiro, Roberta apresenta o show no Rio, no dia 21, e em Glasgow, na Escócia, no dia 27, dentro do Mimo Festival – e, no dia 28, integra um time de cantoras no show The Women of the Song. Nos dias 3 e 4 de fevereiro, ela faz show de lançamento do DVD em São Paulo, no Teatro J. Safra. Roberta deve incluir no repertório o samba Giro, que Gilberto Gil compôs para ela no final de 2016.