Apertem os cintos
Morte de Teori expõe as vísceras da aviação civil
Publicado
emEduardo Monteiro
O trágico acidente aéreo no qual morreu o ministro Teori Zavascki, está ainda na fase de investigações, mas antigos problemas bem conhecidos daqueles que atuam na aviação geral, ressurgem sob a luz de potentes holofotes. Infelizmente, essa claridade não chega ao conhecimento da população com a devida intensidade.
De forma simplificada, podemos dizer que existe na aviação civil a seguinte divisão: aviação comercial regular, composta pelas quatro grandes companhias aéreas; e a aviação geral, formada pela aviação regional, executiva, esportiva e demais. A aviação geral também é conhecida como “primo pobre”.
O aeroporto de Paraty, autêntico “primo pobre”, é mais um daqueles que não possui torre de controle, informações meteorológicas, iluminação, balizamento e demais sistemas de auxílio à navegação aérea. Por isso, só opera em condições visuais, como já foi dito exaustivamente.
Igualmente já foi dito, que chovia na hora do acidente, e segundo o Climatempo, as condições meteorológicas mudaram rapidamente na região, e o teto (distância entre o nível do mar e as nuvens) era de apenas 60 metros, nível impróprio para pousos, segundo autoridades brasileiras de aviação civil, que recomendam um teto de 450 metros. É definido ainda, que pousos só são permitidos se o piloto enxergar a pista a 5 km de distância.
Mas quem decide se o momento é impróprio, e fecha o aeroporto para pousos e decolagens, até que as condições permitam, já que o aeroporto não tem nenhuma autoridade aeroportuária no local? Esse é o drama de dezenas de aeroportos em todo Brasil. Mas reparem, que não estamos falando de um longínquo aeródromo no meio da floresta Amazônica. Falamos de um dos locais de maior concentração turística do País. Local frequentado por pessoas de altíssima condição socioeconômica, em contraste com a precariedade das condições de segurança do aeroporto.
Cenário de horror – Recebemos o texto a seguir (via rede social) de um aeronauta que não quis se identificar, mas conversando com especialistas, tivemos a informação, baseada no linguajar e no conteúdo, de que a autoria é possivelmente de um piloto com experiência naquela região.
“Quem opera na executiva (aviação) sabe bem o quão frequentemente se transgride às regras de voo visual nas operações em Paraty, Angra dos Reis e Ubatuba. Basta que as condições meteorológicas se degradem abaixo dos mínimos visuais para que o show de transgressões comece.
Se for em véspera de feriado, ou no último dia do feriado então, vira um show de horrores. Há inúmeros procedimentos “mandraques” e macetes difundidos entre os pilotos que operam naquela região.
O grande interesse dos patrões e passageiros de táxis aéreos em voar pra lá, principalmente no verão e nos feriados, impõe um fator de pressão com o qual os pilotos não têm sabido ou podido lidar de forma saudável.
A facilidade com que a meteorologia se degrada na região, principalmente em épocas quentes e úmidas, somada ao relevo desafiador que impõe severas restrições operacionais aos aeródromos dessas três cidades, completam o quadro de um ambiente potencialmente catastrófico. Para piorar, a comunidade de pilotos se habituou a operar com mínimos inacreditáveis nesses lugares, aumentando ainda mais a pressão sobre o piloto que cogite rejeitar uma operação bem no momento de laser do patrão, quando ele está “alucinado” para usufruir de descanso e diversão com a família, amigos, amante, etc.
É claro que essa situação não passaria impune por muito tempo. Todos os anos temos fatalidades por lá. A lista é imensa, longeva. Há bem mais de uma década, ano após ano, ricos tem morrido em caríssimos aviões e helicópteros executivos naquela região. O mais chocante é que nem esses eventos extremos têm sido capazes de mudar a cultura de proprietários e pilotos de aviões executivos. Ambos parecem hipnotizados, em uma relação insana e autodestrutiva movida a arrogância de um lado e subserviência do outro. Impressionante!”
Conversamos com um experiente piloto, já aposentado, com mais de 45 mil horas de voo, desde a lendária Panair, até a extinta Transbrasil, que nos disse: “Cada voo é completamente diferente do outro. Os ventos nunca se comportam da mesma maneira, nunca.”
Esperamos que os ventos soprem a favor do bom senso, e que o governo reveja imediatamente a questão da aviação civil no Brasil. O céu não está de brigadeiro, e pairam nebulosas e ameaçadoras questões sobre esse tema.