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Musical

O Jogador mistura Café, do Pisoeiro, com eterno Fausto

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Ubiratan Brasil

A cena é poderosa – o atacante Café prepara-se para bater o pênalti que, se convertido, garantirá o título para seu time, o amador Pisoeiro. Enquanto posiciona a bola, uma série de lembranças corta, veloz, seu pensamento, momentos da infância quando decidiu que deixaria a vida humilde, difícil, para se tornar um grande craque de futebol. Quando todo o estádio parece suspender a respiração, Café é tentado por um ser lúgubre, que misteriosamente se materializa à sua frente para lhe oferecer a fama eterna em troca de algo muito especial. Ninguém o vê, apenas o jogador – e seu futuro pode ser decidido naquele átimo de segundo.

É nesse clima fantástico que começa O Jogador, espetáculo musical livremente inspirado no mito do Fausto, que começa a ser produzido no Rio por Tadeu Aguiar e Eduardo Bakr. Com previsão de estreia para outubro, O Jogador vai iniciar uma nova forma de se fazer um musical essencialmente nacional – depois da fase das biografias, que ainda não está totalmente esgotada, a produção será brasileira na sonoridade, mas com a qualidade exigida na Broadway. Para isso, Aguiar e Bakr – que realizaram um dos melhores musicais do ano passado, 4 Faces do Amor, inspirado em canções de Ivan Lins – convidaram Guto Graça Mello para compor a melodia de O Jogador.

Sensibilidade – Foi uma decisão arriscada – com quatro prêmios Emmy no currículo, inúmeras trilhas para o cinema e televisão, além de ser o autor, ao lado de Mariozinho Rocha, das canções Manifesto, gravada por Elis Regina, e Cabra Macho, interpretada por Nara Leão, Graça Mello foi durante anos diretor musical da Globo, emissora para a qual ainda colabora, e da gravadora Som Livre. “Buscávamos alguém com experiência, mas também uma grande sensibilidade melódica”, conta Tadeu Aguiar.

Feito o convite e enviado o texto escrito por Eduardo Bakr, a resposta não demorou a vir. “Pratiquei o exercício da descoberta”, comenta Graça Mello. “Fiquei encantado com o encadeamento da história e, principalmente, com o desafio imposto pelas letras escritas pelo Eduardo.”

De fato, Eduardo Bakr revela, a cada novo trabalho, um refinamento poético que une a simplicidade exigida na transmissão das intenções do enredo com uma originalidade no encadeamento dos versos, resultando em canções que tanto narram a história como encantam pela poesia. É o caso, por exemplo, de uma das primeiras músicas de O Jogador, quando Café, naquele momento crucial da cobrança do pênalti, é assediado pelas lembranças de infância: “Não quero olhar pra traz / mas o meu passado me salta / me traga, me brota / me enlaça, me enforca / me afaga, me afoga / me fazendo lembrar / dos sonhos de um querubim / das juras plantadas na infância / que ainda habitam em mim”.

“Não sou poeta – tive, entre outros parceiros de criação, Nelson Motta -, mas reconheço um grande trabalho. E, das letras de Eduardo, mudei apenas alguns artigos”, conta Graça Mello que, motivado a criar pela primeira vez para um musical, desenvolveu um método original: tão logo recebia os versos, sacava de seu iPhone e, mesmo sem nenhum acompanhamento musical, cantava aquelas palavras na melodia que elas inspiravam. “Eu obedecia apenas ao meu sentimento”, conta o músico que, em seguida, no estúdio que mantém em sua casa, transformava aquelas intenções em um trabalho mais bem elaborado. Para isso, contou com a colaboração do jovem Gustavo Modesto, sensível para também descobrir os melhores caminhos.

As canções ouvidas em primeira mão pelo jornal “O Estado de S. Paulo”, no estúdio do diretor musical, confirmam que a poesia de Bakr encontrou a devida parceria melódica com Graça Mello, que buscou a brasilidade semelhante aos sambas de Cartola e Gonzaguinha. “Minha maior preocupação era entrar na dinâmica do espetáculo”, conta o músico, que também se inspirou nas conversas que mantém com regularidade com Tadeu Aguiar e o próprio Bakr. E, principalmente, com a interação que nasceu no encontro com os artistas que se dispõem a gravar as primeiras canções.

Assim, por lá passaram Hugo Bonemer, que conferiu uma voz doce e, ao mesmo tempo, angustiada para o craque Café; César Mello, que marcou presença como Mufasa em O Rei Leão, destaca-se com seu timbre grave no papel de Lügner, o espírito maligno que busca corromper o jogador; a experiente e talentosa Sylvia Massari ofereceu um tom digno e operístico à mãe de Café, personagem do bem que se opõe à malignidade de Lügner. “Todos se empolgaram com o projeto e participaram espontaneamente, mesmo sem a certeza de que continuarão com o papel”, conta Aguiar que, como um legítimo produtor brasileiro, equilibra-se na criação artística ao mesmo tempo em que busca recursos para levantar o espetáculo. “E, além desses atores, deveremos contar ainda com a amizade de outros, como Patrícia França, Xande Valois e Sabrina Korgut.”

Fausto – A união de talentos é essencial e tem contribuído para a lapidação de O Jogador. Inicialmente, o musical teria como título O Pacto e nasceu depois que Aguiar convenceu Bakr a criar um espetáculo de maior fôlego – eles trabalham juntos desde 2000 no projeto Teatro Jovem que, com o apoio da Unesco, busca apresentar a dramaturgia para os novos espectadores. “Sou apaixonado pelo mito de Fausto e, como pretendia escrever um texto sobre um assunto nacional, vi no futebol o ambiente ideal para lidar com o jogo entre o bem e o mal”, conta o escritor.

Assim, nasceu a história de Café, nome de guerra de Claudionor, jogador de futebol que recebeu o apelido depois que a mãe tingiu sua camisa com aquele produto. Eles vivem em uma comunidade humilde, onde o atleta tem uma namorada de infância, Clara. Ao ser tentado por Lügner (palavra alemã que significa “mentiroso”), ele aceita o sucesso em troca da alma. Famoso, atrai todo tipo de interessados, como Stephanie Mimo, a conhecida “maria-chuteira”, alpinista social que vive à custa da vitória alheia. Entre os personagens, ainda há Miguel, zagueiro jovem e talentoso, que também se destaca no time.

“Hoje, há muitas pessoas que venderiam sua alma param serem famosas durante 15 minutos”, acredita Tadeu Aguiar que, a partir da ideia da cenógrafa Natalia Lana, o palco será delineado pelas linhas de um campo de futebol – no centro, também usado para cenas internas, como a casa do jogador e o vestiário do clube. “Há um grande resgate dos valores da infância”, comenta Bakr, agora entronizado entre os grandes dramaturgos do musical brasileiro.

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