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Moratória moral

Estado, enquanto governo, é o vilão da crise brasileira

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Ronaldo Caiado

O Estado, sem dúvida, é o grande vilão da crise brasileira. Mais que isso, é a própria crise. O descrédito que a sociedade, em seu conjunto, devota hoje aos três Poderes, dificultando (quando não impedindo) a governabilidade, deriva, em síntese, de um sistemático descumprimento contratual. O Estado não cumpre o seu papel.

O contribuinte arca com uma das mais altas taxas tributárias do planeta e tem como retorno (quando tem) serviços que muito raramente merecem tal qualificativo. Trata-se, pois, de um calote à cidadania. Os setores essenciais —saúde, segurança e educação— estão claramente degradados.

Basta ir a um hospital público, qualquer um, para ver pacientes agonizando e morrendo nos corredores. Faltam médicos, enfermeiros, equipamentos básicos, condições sanitárias mínimas.

A segurança pública mostrou há poucos dias em que estágio está. Uma greve da PM no Espírito Santo produziu, em quatro dias, 161 mortos. Os índices anuais de homicídio ultrapassam 60 mil.

O contrabando de armas tornou-se um dos mais prósperos negócios, facilitado pelas imensas fronteiras porosas, que favorecem a ação do crime organizado. Em decorrência, o país deixou há muito de ser apenas corredor de exportação de drogas para tornar-se o segundo consumidor mundial de cocaína e o primeiro de crack.

O Estado, nos termos da Constituição, é o responsável pela ineficácia de tais serviços, que são de sua alçada exclusiva. A degradação é geral, mas, para espanto da sociedade, a Justiça decidiu enquadrá-lo não em relação a quem o sustenta —o cidadão-contribuinte—, mas exatamente em relação a quem contribui para tornar esse ambiente ainda mais irrespirável: o bandido.

Refiro-me à recente decisão do STF de obrigar o Estado de Mato Grosso do Sul a indenizar um presidiário, que pediu reparação pecuniária por danos morais em decorrência do tratamento degradante que recebeu no cumprimento da pena.

Trata-se de alguém que cometeu crime de latrocínio —assalto seguido de morte. O STF entendeu que o Estado, ao não garantir a integridade do preso, descumpriu a Constituição. De fato, mas o que se pergunta é: e os demais descumprimentos?

O cidadão assassinado por aquele presidiário, assim como milhares de outros, tinha também direito à segurança, que o Estado não lhe proveu. Sua família será indenizada?

E ainda: ao dar repercussão geral a essa decisão, o STF abre as portas para que toda a população carcerária do país, que vive nas mesmas condições —cerca de 700 mil presos—, requeira o mesmo direito.

Num cálculo aproximado, a despesa, mantido aquele valor, que pode ser aumentada de acordo com o critério de cada juiz, seria em torno de R$ 1,4 bilhão. No Amazonas, a Justiça mandou indenizar em R$ 60 mil as famílias dos mortos em confronto entre facções criminosas dentro do presídio.

Além dos danos ao teto dos gastos públicos, a decisão não vai sequer à raiz do problema: a degradação do sistema penitenciário em seu conjunto. Ataca-se mais uma vez o sintoma e mantêm-se as causas da enfermidade.

O que temos aí? Um Estado em moratória moral, que, de costas para a sociedade que o provê, decide priorizar os que contra ela atuam. Um Estado inconstitucional, alheio aos fundamentos com que é definido pela Carta Magna do país —e não apenas por atos pontuais, como esses, senão pelo conjunto da obra.

O que se deduz de tudo isso é que a reforma do Estado é a grande e inadiável urgência. Em seu perfil atual, não há planos econômicos, por mais engenhosos, que o regenerem. É preciso refundar o Estado brasileiro —ou será cada vez mais ingovernável.

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