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Morro da Capelinha

Fé e tradição se dão as mãos há 44 anos em Planaltina

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Mariana Damaceno

Aos 89 anos, o padre Aleixo Susin ainda se lembra precisamente da revelação que teve sobre a via-sacra de Planaltina há 44 anos. Ele conta que imaginou, no que caracteriza como um “sonho de dia”, três morros unidos que se enchiam de gente. “Pensei em como aquele lugar era maravilhoso.”

Foi daí que ele começou a dar forma ao sonho. Falou com os fiéis e marcou procissões saindo de três igrejas de Planaltina, das quais era pároco antes de ser transferido para o Guará. O ponto final do encontro foi o pé do Morro da Capelinha, onde, em 1973, ocorreu a primeira montagem da via-sacra da região administrativa.

O padre calcula que o evento reuniu cerca de 500 pessoas. “Ensinei para eles que não se trata de fazer apenas a encenação. Requer preparação e é fazer tudo como Deus quer, vivendo a via-sacra.”

Mais de quatro décadas depois, o ensinamento continua sendo passado adiante. A jovem Andrielly Karolyn da Silva começou a fazer parte do grupo com 1 ano de idade, na Via-Sacra da Criança. O pai, o atual coordenador de transportes, foi quem a levou pela primeira vez. Hoje com 15 anos, ela ressalta que nunca pensou em desistir. “É uma alegria estar aqui. Isso não é brincadeira, mexe com a gente.”

Ao longo dos anos, detalhes importantes passaram por mudanças. Os mais antigos do grupo foram os que mais sentiram a diferença. “Hoje temos muita mordomia”, brinca Maria Auxiliadora Teixeira Ramos, de 75 anos.

Ela interpreta a mãe de Lázaro na passagem em que Jesus o ressuscita depois de quatro dias de sepultamento. Além disso, faz uma das mulheres consoladas na oitava estação da via-sacra. “Antes era muito difícil. Subíamos segurando em uma corda, para não cair. Depois de um tempo, arrumaram um jipe para nos deixar lá em cima.”

O lugar era muito mais íngreme, e a maior parte da apresentação ocorria no alto do morro, onde atualmente há uma capela. Muita gente ainda paga promessas na área, que guarda uma vista única de Brasília.

O historiador Mário Castro, de 67 anos, foi quem teve a ideia de colocar os voluntários para atuar nas laterais, porque o terreno era meio irregular. A decisão foi tomada para a segurança dos fiéis. “Lá não cabia tanta gente. Começamos a reunir milhares de pessoas”, lembra.

Há cerca de 30 anos, Mário criou o texto e fez a montagem do espetáculo. “O padre Aleixo já havia colocado diálogos, mas poucos.” O conteúdo que o historiador escreveu teve poucas mudanças até hoje, e ele ainda contribui com a escrita de novas passagens sempre que pode.

Boa parte dos avanços na encenação foi acompanhada pelo estudioso, que chegou a criar um livreto contando a história da via-sacra em Planaltina. Apaixonado pelo ofício, ele guarda filmes e fotos com momentos que acompanhou de perto.

Em meados de 1980, o espaço ganhou construções, como muralhas e alguns palácios para a composição de cenários mais pomposos. As ruas receberam bloquetes, e o caminho ficou bem mais acessível.

Com o tempo e os avanços tecnológicos, a qualidade do espetáculo no Morro da Capelinha também melhorou. Uma iluminação mais potente e um sistema de som que cobre toda a área do morro foram alguns dos progressos.

Mário também foi o responsável por incluir o playback nas apresentações. “Acabamos com aquilo de cada ator precisar ir ao microfone para falar.” O texto passou a ser gravado em estúdio.

Mauro Lúcio da Silva Campos, de 63 anos, foi o primeiro voluntário a interpretar Jesus Cristo. Quando começou, aos 17 anos, era tudo mais improvisado, de acordo com ele. “Na hora da Ressurreição, surgi pelo teto da capela, que fica no alto do morro. Tiramos o telhado, e eu apareci.” As roupas que usavam durante a apresentação eram doadas por lojas da região.

Ele conta que todos faziam de tudo. Além de interpretar o personagem principal, ele ajudava com marcenaria, divulgação e transporte. A passagem do julgamento de Cristo era feita em cima de um caminhão.

Quando compara a primeira vez em que se apresentou com a última, 20 anos depois, Mauro diz que a diferença é enorme, desde a cruz que ele carregava nas costas. “Era muito pesada. Só anos depois comecei a subir com uma mais leve e, lá em cima, trocava pela outra”, recorda-se.

As reuniões de avaliação ao fim de cada espetáculo foram determinantes para que a encenação chegasse à proporção que tomou, segundo o voluntário, que deixou o papel para dar oportunidade a outras pessoas.

Em 1985, por querer investir mais na produção do espetáculo, o historiador Mário Castro convidou um amigo para ajudá-lo. Pedro Rezende, na época com 26 anos, estudava para ser ator e havia feito algumas disciplinas de direção na faculdade.

“Já dentro do grupo, chamei alguns conhecidos para tocar a parte técnica, a área de sonorização e iluminação, e dar oficinas para os atores. Conseguimos fazer um trabalho de formiguinha”, conta Pedro, ao destacar que começaram a utilizar novos ambientes e recursos para deixar o espetáculo mais real.

Hoje, ele dirige e atua. É um dos principais antagonistas da história. Há 17 anos, representa Judas Iscariotes, o discípulo que, segundo as Escrituras, traiu Jesus Cristo.

Fazer o personagem, segundo Pedro, mudou sua vida. “Quando eu faço a cena da traição, saio com dores físicas por ter feito aquilo. Acredito que ele tenha sentido um pouco disso também.” A história mexe com os ânimos de quem está na plateia. “As pessoas veem em mim o próprio Judas. Me jogam pedras, garrafas, me xingam”, revela, ao acrescentar que não se importa e se entrega ao papel.

O contato com a rotina dos palcos mudou o caminho profissional de muita gente que integra a equipe. Um exemplo é o atual diretor-geral, Uarlen Dias, de 32 anos. Ele começou na Via-Sacra da Criança, aos 8 anos, e se formou em interpretação teatral, com mestrado em direção.

Em 1986, o evento foi incluído no calendário oficial do DF e, há cinco anos, é transmitido ao vivo pela internet. Foi decretado como Patrimônio Imaterial do DF em 2008. Para a semana que vem (dia 14), são esperadas 150 mil pessoas.

Todos os anos, os voluntários preparam uma surpresa para o público. Desta vez, a equipe adiantou apenas que homenageará Nossa Senhora de Fátima, padroeira do Morro da Capelinha.

A Via-Sacra da Criança foi formada em 1994, quando o grupo adulto percebeu a necessidade de haver uma equipe treinada que futuramente pudesse assumir a encenação principal.

O evento ocorre no sábado, no estacionamento do Ginásio de Múltiplas Funções de Planaltina. No início, eram 128 crianças, número que quase dobrou — para este ano, 230 artistas mirins já se preparam desde o início da Quaresma.

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