A supersérie
Para quem não se lembra, os nossos dias eram assim
Publicado
emAmilton Pinheiro
Antes de lançar a supersérie “Os Dias Eram Assim”, que estreou em 17 de abril, a Globo fez uma pesquisa interna com grupos específicos da população com o objetivo de saber quais eram as informações que tinham sobre um dos períodos mais sombrios da história recente do País, o regime militar instaurado em 1964. “A falta de informação que pudemos detectar nos grupos pesquisados é alarmante”, revelou por e-mail à reportagem o novelista Silvio de Abreu, diretor de gênero de dramaturgia diária da emissora.
O ator Marco Ricca, que interpreta o personagem mais identificável com aquele período – o delegado Amaral, encarregado de prender e torturar opositores da ditadura -, também ficou surpreso com o resultado e espera que o drama ajude o público a conhecer melhor aquele momento. Reconhece, porém, os limites de uma obra dramatúrgica feita para a TV. “Acredito que Os Dias Eram Assim não possa aprofundar todos os temas que levanta, mas espero que consiga atingir o objetivo de explicar melhor o golpe de 64 para grande parte da população que ainda desconhece o que aconteceu.”
Inicialmente, o ator – que se formou em História e chegou a dar aulas em colégios da periferia de São Paulo – cogitou não aceitar o papel, pois não queria viver um personagem tão identificado com o mal. Mas, ao ler o livro “A Casa da Vovó – Uma Biografia do DOI-Codi” (1969-1991), de Marcelo Godoy, jornalista do jornal O Estado de S. Paulo, convenceu-se de que poderia compor o delegado de uma forma menos maniqueísta.
“No livro, entende-se a gênese desses torturadores, que se colocavam sempre a serviço do Estado, participando de uma guerra contra o mal, que eram os militantes de esquerda que lutaram contra a ditadura. Alguns deles se posicionam, reconhecendo que, em certos momentos, torturavam por prazer”, comenta.
Segundo especialistas consultados pela reportagem, são inúmeras e complexas as explicações para o desconhecimento da população sobre a ditadura militar. “No Brasil, houve um acordo entre as elites e algumas lideranças populares para não se investigar com cuidado e rigor as razões que explicam a instauração da ditadura e sua permanência por tanto tempo”, entende Daniel Aarão Reis, historiador, escritor e professor da Universidade Fluminense.
Para Marcelo Godoy, no Brasil (ao contrário de Argentina e Chile, que também sofreram com ditaduras militares) os excessos e os crimes cometidos pelos militares não ficaram conhecidos de forma mais ampla, logo após seu fim. “Com isso, herdamos até hoje esta omissão”, acredita.
Já Emília Silveira, diretora de dois importantes documentários sobre o tema (70 e Galeria F), relaciona o esquecimento involuntário com o sistema educacional que, para ela, tem inúmeras falhas. “E uma das mais significativas é não formar um cidadão livre para construir o futuro”, observa.
Dentro da temática – Quando “Os Dias Eram Assim” terminar, Marco Ricca deixará de lado o delegado Amaral, mas participará de dois projetos ainda envolvidos em ditaduras brasileiras: a do Estado Novo (1937-1945) e, novamente, a de 1964. Ele aceitou o convite do diretor Jorge Furtado, que filmará “Rasga Coração”, peça de Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha. E dirigirá, no início de 2018, seu segundo longa, baseado nos dois romances de B. Kucinski, “K: Relato de Uma Busca” e “Os Visitantes”.
“Estou muito empolgado com estes dois projetos, porque eles tratam de momentos recentes da nossa história que precisam ser revisitados sempre, para evitarmos, quem sabe, discursos de ódio que hoje imperam no País”, espera.