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'Viagem' de 50 milhões

Combo que criou mensalão chega ao Turismo de Temer

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José Seabra

Muito antes das lojas de fast food criarem o combo, o Brasil já havia inventado a modalidade na hora de comprar serviços para seus órgãos públicos. O país dos milhões – agora bi – que desaparecem nos ralos e desaguam em malas que viajam para contas em paraísos fiscais e apartamentos em Salvador, cria instrumentos próprios que permitem legalizar o acesso aos cofres públicos sem qualquer esforço.

A Lei 8.666, que trata das licitações, já fez milhares de novos ricos. Públicos e privados. Na Seção IV, § 1º, está o segredo. Nela encontramos as modalidades de julgamento, entre elas o critério de melhor “técnica e preço”. É o combo preferido e consagrado no cardápio de compra de serviços de publicidade, por exemplo.

O Governo Federal é o maior anunciante do país. Por esse meio é possível contratar qualquer empresa, ainda que sem expressão ou currículo consistente. Esse foi o caminho escolhido para as operações de Marcos Valério e sua agência SMP&B, premiado com a indigestão de mais de 37 anos de prisão, após a descoberta de que ele orquestrava os mensalões tucano e de Lula para a compra de votos de parlamentares.

Tudo começou com o mesmo combo “técnica e preço”, que na prática é escolher a melhor técnica conforme a conveniência de quem manda e paga. E preço, que pode ter peso menor na hora de fechar a conta e o contrato. Pode também a vencedora em técnica aceitar os valores, ainda que menores, do segundo colocado. Nessa ordem. O assunto é recorrente e as escolhas causam espanto.

Grandes jornais do país já revelaram, por meio de anúncios classificados, em códigos, muitos resultados antecipadamente. O Ministério Público poderia solicitar o menu praticado na Esplanada e acompanhar de perto.

Surgem boatos de empresas de publicidade, que são investigadas mas que exercem forte influência sobre o Executivo, mandando nessas verbas de gente grande. E estão presentes nas licitações milionárias do Governo Federal. Nesse momento de crise, o Ministério do Turismo quer entregar um combo de R$ 50 milhões para a melhor “técnica” que, dizem, será determinada pelo Palácio do Planalto.

Existem comentários de que a Artplan, Fischer, Clorus e Filds, podem surgir como vencedoras no certame. Comentam muito também a situação da Multisolution, que ganhou mas não levou uma licitação no Banco do Brasil, depois da agência Calia ter ficado em último lugar, quando o Palácio do Jaburu mandou cancelar o resultado técnico determinado pela comissão de licitação. A Multisolution está recorrendo à Justiça.

Muitas autoridades têm ligação direta e indireta com agências de publicidade. O combo é subjetivo e o Governo Federal não faz avaliação sistemática do alcance de suas campanhas, como na iniciativa privada, onde cada real investido deve trazer resultados mensuráveis.

Todos os órgãos e empresas públicas federais, estaduais e municipais, podem torrar os milhões de seus combos como desejarem e ninguém vai aferir, afinal, qual técnica foi empregada. O critério é subjetivo, conceitos são desprezados, resultados não são verificados. É a farra que a 8.666 na sua modalidade “técnica e preço” produz.

Testemunhas afirmam que o estopim para a ascensão de Marcos Valério foi uma licitação no Ministério do Trabalho. Imediatamente após o resultado em que a comissão deu como vencedora uma outra agência, ainda no âmbito interno, um representante do Palácio do Planalto compareceu à noite ao gabinete do ministro à época e determinou a alteração do resultado em favor da empresa de Marcos Valério.

Algo mudou depois? Absolutamente nada. O que seria do azul se todos gostassem do vermelho? A interpretação de conceito praticada é isso. Mas existem mecanismos de verificação da eficácia da técnica e conceito propostos nas licitações para a contratação de agências.

Os maiores anunciantes privados exigem pesquisas qualitativas das campanhas antes de contratarem agências para promover seus produtos. Isso, sim, é técnica para verificar técnica. Mas o Governo Federal parece não querer adotar. Dirigentes públicos, donos do dinheiro, seriam taxados de burros. Afinal, a 8.666 perderia sua função como ferramenta de arrecadação não declarada.

Se o Ministério do Turismo não ouvir os rumores dos corredores, pode ser que a Procuradoria Geral da República e o Tribunal de Contas da União comecem a querer saber o que é essa tal de técnica que formaliza contratos milionários de publicidade. E quem são as autoridades que apontam, sem nenhum constrangimento, quais as propostas “tecnicamente” perfeitas.

A farra dos combos continua. Engula quem quiser.

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