Repense o Elogio
Avon critica estereótipos nocivos dados ao gênero feminino
Publicado
emNana Soares
Na terça-feira, a Avon lançou a campanha e o documentário “Repense o elogio”, que busca alertar como o tratamento dado a meninos e meninas perpetua estereótipos nocivos de gênero, especialmente para as meninas. Isso porque elas são tradicionalmente chamadas de “lindas”, “princesas” ou “bonitas”, atributos que dizem apenas da beleza física e não destacam características como determinação, esforço e inteligência.
É preciso repensar os elogios, é verdade. Desde que soube da campanha foi inevitável pensar em minha própria infância, sobre os elogios que recebi e, consequentemente, como eles me formaram.
Eu sempre fui a melhor aluna da classe. Portanto, meu estereótipo sempre foi o de inteligente, o que minha família felizmente sempre endossou. É um estereótipo positivo e eu diria que saudável de se crescer, mas que não por isso me privou de algumas questões por ser menina, especialmente durante a adolescência.
Ser inteligente sempre foi muito legal e expandiu meus horizontes para além da minha cidade natal. Me colocou em uma posição de destaque que era muito desejável, mas não veio sem sofrimentos. Eu era inteligente sim, mas era também diferente das outras meninas, a que não cumpria os estereótipos. Era a menos feminina da classe, a que gostava de futebol, que não tinha medo da bola, adorava educação física, odiava maquiagem. Era uma ‘igual’ aos meninos (o que era positivo), mas a consequência disso era nunca ser lida como objeto de desejo (o que na época era negativo).
Hoje, aos 25 anos, percebo que isso foi bom. Ainda bem que pude me desenvolver apenas em função de mim mesma e não do gosto alheio, mas na época era horrível. Eu sabia que ser inteligente era legal, mas eu também era a menos desejável, a que não acreditava quando o próprio pai falava que ela era bonita porque ninguém mais dizia isso. Passei a adolescência sofrendo porque nenhum menino gostava de mim e me perguntando se existia a figura lendária que ia “gostar de mim pelo o que eu realmente sou”..
Por um tempo, isso fez com que eu acreditasse naquela ideia super nociva de que eu era “diferente” das outras meninas. Eu era o cérebro e não a bunda. Eu é que era digna de respeito. Felizmente esse conceito foi passando com o tempo, embora a sensação de inferioridade tenha sempre permanecido lá. Foi só muito tempo depois que isso mudou.
Eu já era até formada da faculdade e conversava sobre padrões com uma amiga que sempre foi maravilhosa-deusa-louca-feiticeira-miss. Achava o mundo injusto e, com muita resignação, eu disse que queria ser bonita e atraente de cara, não só depois que as pessoas me conheciam. E então ela me disse algo que me acompanha até hoje: “Eu queria exatamente o contrário”.
Essa minha amiga foi linda a vida inteira e, por conta disso, todas suas outras características ficavam em segundo plano. Ela era inteligentíssima, criativa, diferente. Mas todo mundo só via o quanto ela era deslumbrante de bonita, reduzindo-a a seu exterior.
Naquele momento entendi que eu não tinha o direito de achar que só eu tinha sofrido por ser mulher, que só a minha experiência era de sofrimento. Entendi que, sendo mulher, mesmo se você é tida como musa você sofre.
Porque ser mulher é nunca ser suficiente. Se você é inteligente, ameaça os garotos/homens, se é linda é vazia de conteúdo, se é tudo ao mesmo tempo “se acha” e precisa se corrigir. E por aí vai: nunca tá bom ser quem a gente é, temos que cumprir um padrão impossível.
Tem que ser recatada no exterior mas safada entre quatro paredes, tem que ser feminina sem ser perua, tem que usar maquiagem mas sem parecer que está usando maquiagem. Tem que compreender os gostos do homem mas não ouse saber mais do que eles, hein.
Não dá, simplesmente não dá. E nunca vai dar se continuar desse jeito. Por isso, mulheres, temos que nos unir. Tentar entender de verdade o contexto e a vida das outras que nos cercam, certamente tão diferentes das nossas. Pela minha experiência, digo com segurança que nada me deixou tão forte quanto entender o que as outras passam. Foi quando percebi que o problema não era comigo.