Os carrões
Confraria motorizada mostra Porsche, Ferrari e Lamborghini
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emA concentração de exemplares de Porsche, Ferrari e Lamborghini não faria feio em Mônaco ou Dubai – e destoa mesmo em um bairro de classe média alta como o Itaim Bibi, em São Paulo. Quase 300 superesportivos fazem fila para entrar no subsolo do JK Iguatemi, na zona sul da capital, em horário no qual o shopping não está aberto ao público. Lá dentro, os donos dos carrões tomam café da manhã sem ser incomodados.
Tudo na Motorgrid remete a discrição e exclusividade. Trata-se de uma confraria voltada apenas a donos de carros superesportivos – além das marcas citadas, há modelos das divisões esportivas da BMW, Audi e Mercedes-Benz. O grupo nasceu dos passeios que o empresário Eduardo Schkair Jr. fazia com amigos que, assim como ele, têm carros desse tipo.
“Havia menos superesportivos na rua e nós éramos alvos. Saindo em grupo, ficávamos mais protegidos”, ele conta. O grupo surgiu em 2013, com 16 carros, e agora tem 350 membros. “Há desde diretores de companhias de primeiro escalão até jovens que ganharam o carro dos pais”, diz o piloto Pedro Henrique Costa.
Entrar nesse seleto grupo custa, metaforicamente, mais que o valor de um bom carrão. É preciso ser apadrinhado por um membro e aprovado pelos dez diretores da comissão, que avaliam a frota pessoal e a conduta do interessado, do trânsito às redes sociais. “Se o cara tiver um (Lamborghini) Aventador, mas não conhecer ninguém do grupo, não entra”, diz o empresário Roberto Saad.
Como a identidade da Motorgrid se formou em torno dos superesportivos, em princípio ter ao menos um desses carros na garagem é requisito para ser admitido. Na prática, porém, há exceções. Se a pessoa só tiver um modelo de marca alemã que não seja da divisão esportiva, mas for bem relacionada no grupo, passa.
Após ingressar, é preciso seguir as regras de conduta da confraria, que exige direção responsável e bom comportamento. “Se o membro correr na estrada ou for pego fazendo besteira, os outros confrades o delatam para o conselho e ele é expulso”, diz Schkair.
“Molecagens virtuais” também podem levar à expulsão, como avisa Saad. “Se mandar o ‘gemidão’ no Whatsapp do grupo, o membro é excluído na hora. Afinal, há muita gente com cargos importantes aqui. Se postar um vídeo correndo com o carro, ainda que em seu Instagram pessoal, também pode ser desligado. Faltas mais leves são punidas com suspensão.”
Oportunidades – Os encontros da confraria ocorrem a cada três meses e reúnem, em média, 350 carros e 600 pessoas. O dia começa com um desjejum na capital, seguido de passeio para o interior do Estado, onde é servido o almoço. Uma empresa de segurança parceira escolta os participantes durante o trajeto e presta socorro em caso de panes.
Cada sócio deve levar 10 kg de alimento em cada encontro, para doação. Trata-se do único custo fixo, já que não é cobrada mensalidade – os custos dos eventos são bancados por empresas patrocinadoras. Não são feitos eventos em pistas.
Nessas reuniões, os confrades estreitam amizades e formam células menores, por marca de carro ou região – há subgrupos de donos de Porsche e de moradores de Santos, por exemplo. “A ideia é contar com a presença de esposas e filhos. Nossas famílias se conhecem e se frequentam. Surgiu até uma confraria de vinhos dentro do grupo”, conta Robert Dannenberg, que investe em startups.
O ambiente, aliás, é propício para fazer bons negócios. Uma sociedade nascida no grupo vai abrir um misto de restaurante e casa noturna na zona sul. O empresário Adhemar Cabral fabrica réplicas de carros e aproveita as reuniões para fazer contatos. “Para meu negócio, é importante estar perto dos clientes, que usam as réplicas para decorar a casa.”
Schkair diz que a Motorgrid tem uma lista de espera de mais de 4 mil interessados, mas prefere manter um clima “low profile”, sem ostentação. “Não gostamos de gente que aparece demais. Quer dividir a própria felicidade com o mundo, tudo bem. Rei do camarote, não.”
Na Seven, o hábitat é a pista – No interior de São Paulo, a Seven Race Club também faz do carro uma paixão coletiva. Mas, se esse grupo não dispensa uma reunião com comes e bebes, a diversão só fica completa na pista.
A semente foi plantada em 2015, quando sete rapazes da região de Campinas e Americana fizeram um churrasco em que o interesse por carros deu o tom. Quando o grupo chegou a 60 carros, viu que era hora de se organizar. “Senão, começa a aparecer gente que você não sabe quem é”, diz o empresário Marcelo Melotti, um dos fundadores da confraria, que atualmente tem 96 membros. A maioria é da região onde o grupo nasceu, mas também há sócios de Curitiba, Rio de Janeiro e Recife.
Assim como na Motorgrid, a entrada no grupo depende da indicação de um membro e do aval da diretoria, depois de uma pesquisa de bons antecedentes do interessado. Mas o que conta, segundo os organizadores, é a atitude, não o valor do modelo na garagem.
“Aqui tem carro barato e de R$ 1 milhão. Tem médico, advogado e vendedor de pão. Não é porque você é dono de um carrão que será aceito. Já rejeitamos gente que tinha grana e era babaca, arrogante”, conta Melotti. “Se a pessoa é divertida, ‘para cima’ e gosta de carro, é o que importa. Temos perfis variados e queremos que todo mundo se sinta bem.”
O empresário Gustavo Lopes, que também ajudou a fundar a confraria, garante que essa mistura dá liga. “O amor por carros é um só. O cara gosta de Ferrari, mas vê um Gol preparado e diz: que legal! Eu mesmo tenho Opala, Fusca e também um Porsche 911 Turbo S.”
A agenda da Seven mescla eventos gastronômicos e de pista. Neste ano, já incluiu duas provas de arrancada e um “track day” – o segundo ocorrerá neste mês. O custo da locação da pista é repartido entre os membros. Uma anuidade de R$ 500 ajuda a manter o grupo.
Algumas reuniões recebem as famílias e outras são reservadas para os homens. “Nos encontros masculinos, os assuntos são carro e sacanagem. Nos familiares, o clima é mais leve”, diz o empresário Ricardo Becker, que há um ano e meio trocou Cuiabá por Jundiaí, onde abriu uma oficina que prepara carros da BMW. “O pessoal da Seven me acolheu como uma família e isso facilitou muito a minha adaptação”, comenta.
Fora das ruas – Melotti e Lopes frisam que a grande motivação do grupo é tirar das ruas as pessoas que gostam de correr e participar de rachas. “Aqui no interior, morre muita gente que ‘fuça’ o carro para fazê-lo chegar aos 300 km/h”, diz Melotti. “Queremos trazer os moleques para a pista, para verem que ali é muito mais legal. Depois que eu conheci os “track days”, há oito anos, nunca mais quis acelerar na rua. E vi que não sabia nada sobre pilotar.”
Nem todos os confrades da Seven são ases do volante, aliás. Nos eventos de pista, porém, quem nunca acelerou em um autódromo também pode se divertir: há uma janela de horário reservada aos novatos. Membros mais experientes, alguns deles pilotos profissionais, vão no banco do carona para mostrar o caminho das pedras até os condutores ganharem confiança.
“O pessoal é bem parceiro e ajuda quem não é do ramo. Isso é o mais legal do grupo”, diz o vendedor Fábio Lima, de Limeira, que cresceu em meio a carros preparados em casa e dirige um Fiat 147 com motor turbinado de 260 cv. “Mas se você errar na pista, é tiração de sarro na certa. O cara vai largar numa prova de arrancada e engata a ré por engano. Isso acontece!”
Existe um certo clima de competição, como em qualquer autódromo, mas os confrades tentam não levar tudo tão a sério. “Há regras de segurança a seguir e um respeito mútuo; o resto é zoeira”, resume Becker. “Rola aposta e rola brincadeira, como, por exemplo, um abrir o capô do carro do outro e desconectar um cabo de vela.”
Sem pressa de crescer, a confraria recebe o apoio de algumas empresas, que fazem parcerias. Os associados ganham uma carteirinha que dá descontos em uma rede de postos de gasolina e cortesias do menu de uma conhecida cadeia de restaurantes. O próximo passo será registrar um estatuto.
Para o futuro, os planos da Seven são ter sede própria e organizar viagens para eventos como o Sema Show, feira de customização que ocorre em Las Vegas (EUA).