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Querem virar a mesa

Lava Jato é do povo e não pode morrer, desabafa Janot

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Beatriz Bulla

Dois meses depois de deixar a cadeira de procurador-geral da República, Rodrigo Janot decidiu falar. Estreou uma conta no Twitter, passou a participar de eventos internacionais e, nesta entrevista, denunciou o que considera uma “reação orquestrada” de políticos contra Ministérios Públicos na América Latina. No Brasil, segundo ele, a investida contra os procuradores vem por meio da CPI mista da JBS. “Vamos falar bem claro, é a CPI do Ministério Público Federal. Isso é muito grave ”

A continuidade dos trabalhos da Lava Jato, para o ex-procurador-geral, passa pela articulação “transnacional” para investigar as reações políticas e pelo apoio da sociedade. Responsável pela condução das investigações contra parlamentares, ministros e presidentes nos últimos quatro anos, Janot aposta em 2018 como um ano decisivo no qual “as urnas julgarão” os políticos. Nenhum envolvido em escândalos merecerá seu voto, afirma.

Janot diz ainda que “faria exatamente a mesma coisa” na negociação da delação com a J&F. Segundo ele, a Lava Jato não é uma questão só do Ministério Público: “É da sociedade brasileira e dos países atingidos”.

Como o sr. vê as reações a Ministérios Públicos e a internacionalização da Lava Jato?

Ou é muita coincidência ou tem uma relação. O que chama a atenção é que essas reações começaram a surgir mais ou menos ao mesmo tempo. É uma coincidência de conteúdo e tempo. As autoridades desses países estão reagindo de forma muito conforme, muito orquestrada por fatos de corrupção praticados por empresa ou empresas brasileiras fora do território brasileiro. Só esse fato já merece ser investigado.

O que o sr. considera uma reação orquestrada? 

O que existe é uma reação política ao processo técnico jurídico (cita casos em países como Venezuela, Argentina e Panamá). Aqui nós temos a famosa CPI da JBS e que não é CPI da JBS, vamos falar bem claro, é a CPI do Ministério Público Federal. É a CPI que como diz o deputado Carlos Marun (PMDB-MS) numa reportagem: ‘A nossa finalidade é investigar os investigadores, é interrogar quem nos interrogou’ por atos de ofício. Isso é muito grave. Eu já estou velho demais para acreditar em todas essas coincidências.

O senhor se arrepende de algo envolvendo delações da J&F?

Faria exatamente a mesma coisa, não teria como agir de outra forma. Quando se vê um presidente da República e um senador da República cometendo crime em curso eu não poderia permitir que isso continuasse sem tomar nenhuma providência.

Como o sr. vê a atuação do ex-procurador Marcello Miller nesse caso?

Miller fez o que achou que deveria fazer. Ele já não estava mais na equipe quando fez as besteiras que fez. Acho que foi por uma ganância.

A CPI da JBS tem produzido investigações sobre o MPF. A Lava Jato fica enfraquecida?

Acho que não. Isso é um processo político em que eles pretendem debilitar os ex-investigadores, mas há agora os novos investigadores. Não sei se essas pessoas (da CPI) estão achando que os novos investigadores, na linguagem dos mais jovens, vão dar mole para eles. Eu acho que eles estão equivocados. A Lava Jato não é uma questão do MPF, a Lava Jato é uma questão da sociedade brasileira e dos países do bloco que foram ofendidos por atos de corrupção praticados por brasileiros fora da fronteira brasileira. Devemos isso a esses países irmãos que estão no bloco.

O sr. vê semelhança ao que aconteceu na Itália, nas Mãos Limpas?

A reação política das Mãos Limpas à investigação técnica foi exatamente nesses termos. As iniciativas legislativas, e várias se repetiram aqui no Brasil, a intenção de deixar que os políticos estivessem a salvo de investigações e de restrições que qualquer cidadão teria é visível, basta comparar um com o outro.

Como reagir? 

Os Ministérios Públicos têm que estar articulados. Esse é um crime transnacional e temos que tratar isso transnacionalmente. E se não houver apoio da cidadania corremos um seríssimo risco de nada mudar. O cidadão tem que entender isso. O ano que vem é um ano decisivo. Um cidadão, um voto. O cidadão tem que pensar muito nisso, mas muito, muito, para que o processo político não se sobreponha ao processo de investigação por criminosos.

Decisivo de que forma?

As pessoas que tiveram envolvimento nessas práticas ilícitas ou que tiveram comprometimento em proteger as pessoas que praticaram esses atos ilícitos não merecerão o meu voto. Espero que não mereçam o voto de ninguém.

Pretende se envolver em alguma campanha de conscientização sobre esse assunto até as eleições de 2018? 

Eu não sou e não serei candidato, eu reafirmo isso. Nem em 2018, nem 2022. Respeito os políticos, mas não sou um político. Tenho dito e repetido que a solução do Brasil passa necessariamente pela política, senão não tem solução. Me engajar em projetos que ajudem a prosseguir no processo civilizatório e melhorar o processo político isso eu posso cogitar, sim. Não irei para palanque, não vou fazer discurso, mas emitirei opiniões sobre fatos e pessoas.

Como avalia a rejeição pela Câmara da segunda denúncia que o sr. enviou quando ainda era procurador-geral contra o presidente Michel Temer? 

Normal, é um julgamento político. E as urnas julgarão essas pessoas. Eu faço uma avaliação técnica e a Justiça avalia o meu trabalho técnico.

Avalia que há alguma mudança de procedimento dentro da PGR sob a nova gestão? 

Está cedo para dizer. As pessoas estão tomando pé das coisas. Só espero e torço muito para que não seja desacelerado esse processo (de investigação), mas está muito cedo. Em mais três meses vamos responder à seguinte pergunta: as instituições brasileiras estão maduras, estão preparadas e a democracia está forte ou isso tudo não passou de uma bolha que pessoas certas, estiveram na hora certa e nos lugares certos?

Por que o prazo de três meses? 

Porque já temos dois meses com a nova administração. Em cinco meses já se tomou conhecimento de tudo.

(Encerrada a entrevista, Janot tomou a iniciativa de fazer um último comentário) 

Foi um prazer falar com você. Respeito a imprensa. Sem imprensa livre não teremos democracia. Mas eu espero que o meio de comunicação em que você trabalha tenha um pouco mais de isenção em fazer análises de trabalhos técnicos e não julgamentos políticos sobre decisões técnicas. Não sei, porque não é do meu conhecimento, se isso tem alguma vinculação com o financiamento público da empresa ou amizades antigas entre pessoas do meio de comunicação e políticos que os vinculam muito proximamente, mas isso a história dirá. Eu recomendaria a leitura atenta pelos jornalistas de O Estado de S.Paulo dos editoriais que saem. Realmente eu não tenho estômago para ler mais, porque é uma defesa explícita de quem comete ilícitos e finge que essa pessoa não cometeu ilícito nenhum, o ilícito é cometido por quem investiga. Mas isso a história vai dizer. A história e o mercado, com certeza.

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