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Porta para Bolsonaro?

Chile mostra caminhos para direita governar os latinos

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BBC Brasil, Carolina Paiva, Edição

Há pouco mais de 10 anos o Chile era testemunha do crescimento do poder e da ousadia da esquerda na América Latina. Uma década depois, no entanto, o Chile é o último exemplo de um fenômeno oposto. A vitória do bilionário Sebastián Piñera no domingo, no segundo turno das eleições presidenciais, é mais um sinal do retrocesso da “maré-vermelha” e o avanço da direita na América Latina.

O Brasil também seguiu no mesmo caminho no ano passado, com o impeachment de Dilma Rousseff, do PT e a posse de Michel Temer, que tem encabeçado um governo de centro-direita. E as eleições do próximo ano ameaçam mandar para o Palácio do Planalto o deputado Jair Bolsonaro. Se isso acontecer, a tese de que a esquerda morreu estará confirmada.

Piñera venceu Alejandro Guillier, candidato do grupo de centro esquerda Nueva Mayoría, com 54,58% dos votos. Em março de 2018, vai substituir a socialista Michelle Bachelet na Presidência.

“Isso confirma a tendência que vimos nos últimos anos na região: já não vivemos mais em uma época em que governos progressistas se mantém muitos anos no poder”, diz Paulo Velasco, professor de Relações Internacionais da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).

Mas até onde vai essa virada da América Latina em direção à direita?

Um sinal da importância regional da eleição no Chile veio quando, durante a campanha, Piñera divulgou um vídeo de apoio ao presidente argentino Mauricio Macri enquanto Guillier apareceu ao lado do ex-presidente uruguaio José “Pepe” Mujica.

“Sou amigo de Sebastián, o admiro e creio que é um grande dirigente”, disse Macri. Também empresário e também de direita, Macri conseguiu acabar com a hegemonia dos Kirchner na Argentina e ampliou seu poder nas eleições legislativas deste ano.

No Peru, foi eleito em 2016 o economista Pedro Pablo Kuczynski, que trabalhou para o FMI (Fundo Monetário Internacional). Ele hoje corre o risco de ser deposto por seu envolvimento no escândalo de corrupção da Odebrecht, revelado pela Operação Lava Jato.

Em geral, a direita sulamericana se beneficiou de várias dificuldades enfrentadas pela esquerda regional. Uma delas foi o fim do boom das commodities, que prejudicou economicamente vários governos dependentes dos produtos agrícolas.

Outra foram os diversos escândalos de corrupção. Embora eles afetem partidos em todos os espectros ideológicos, é a esquerda que governava a região, portanto é ela quem paga o maior preço pelo desencanto dos eleitores com a elite no poder.

A isso se somam divisões internas, como as divergências dentro da coalizão de centro-esquerda que governou o Chile de forma quase contínua desde o retorno da democracia nos anos 1990.

Na última eleição, o grupo foi surpreendido no primeiro turno por Beatriz Sánchez, que teve 20% dos votos. Ela foi candidata da Frente Amplio, uma nova coalizão de esquerda cujos eleitores não parecem ter apoiado Guillier no domingo.

“O grande problema da esquerda sempre foi a falta de unidade, a luta por unidade”, disse Mujica durante a campanha de Guillier.

Alguns governos também são acusados de abusos para se manter no poder.

O sucessor de Chávez na Venezuela, Nicolás Maduro, é chamado de ditador pela oposição por tomar o poder da Assembleia Nacional e pelas respostas violentas aos protestos contra o governo, que deixaram mais de 100 mortos neste ano.

Na Bolívia, o presidente Evo Morales caminha para buscar uma reeleição em 2019. Um referendo no ano passado mostrou que o país era contra essa possibilidade, mas o Tribunal Constitucional da Bolívia deu autorização para uma possível reeleição.

“Sinto uma obrigação. Uma pressão. Um destino a seguir, sendo presidente”, disse Morales em entrevista à BBC Mundo neste mês.

Uma das poucas vitórias da esquerda neste ano foi no Equador, com a posse do presidente Lenín Moreno, do mesmo partido do último ocupante do cargo, Rafael Correa. Mas desde então Moreno se distanciou do aliado, que o acusa de traição. O presidente promete buscar um diálogo maior com os opositores e combater a corrupção.

Moreno admite que a falta de renovação das lideranças é outra dificuldade da esquerda latino americana. “Sim, é um problema, querer se perpetuar no governo e acreditar que há pessoas predestinadas a comandar um país”, disse à BBC Mundo em setembro. Ele diz que não vai buscar a reeleição.

Nesse contexto, os eleitores latino-americanos parecem mais dispostos a buscar alternância de poder, como sugere o voto no Chile: Piñera entregou a faixa presidencial em 2014 à Michelle Bachelet, e agora a receberá dela.

Alguns analistas acrediam que a política na região está em sintonia com o crescimento da direita que se observou nas eleições recentes nos EUA e na Europa.

“Há um problema mais profundo: os partidos de centro-esquerda estão perdidos e não têm um programa claro para enfrentar a nova realidade mundial”, afirma Paulo Velasco.

Os eleitores também parecem estar olhando com novos olhos o liberalismo econômico que tanto questionaram depois das privatizações e reformas dos anos 1990.

Uma pesquisa feita pelo jornal Miami Herald indica que a ideia de que “a economia de livre mercado é o único sistema que pode levar um país a ser desenvolvido” teve um recorde de 69% de apoio no continente em 2017.

Mas isso não significa necessariamente que haja uma mudança radical na região: Piñera venceu com posturas mais moderadas que outros candidatos de direita no Chile.

Espera-se, por exemplo, que Piñera não revogue a lei promulgada por Bachelet para descriminalizar o aborto em certas circunstâncias.

Os novos presidentes de direita que assumem na região não têm um cheque em branco para promover quaisquer reformas. Alguns não têm maioria absoluta no Congresso, outros enfrentam resistência popular, como mostram os protestos contra a reforma da previdência na Argentina.

A América Latina tem à frente uma nova rodada de eleições, que determinará mais claramente o alcance da mudança política regional.

O próximo ano terá pleitos presidenciais com resultados incertos na Colômbia, no Paraguai e no México.

Em 2018, o Brasil também irá às urnas – e a possibilidade de Lula ser impedido de concorrer também será um momento definitivo para a esquerda.

Também estão previstas eleições presidenciais na Venezuela, que podem pôr em prova a vigência do “socialismo do século XXI” vendido por Chávez.

Guillermo Holzmann, analista político da Universidade de Valparaíso, afirma que os latino-americanos estão mais dispostos a apostar em candidatos de centro-direita como solução para seus temas como educação, saúde e segurança.

“Há um pragmatismo de parte dos cidadãos, que estão buscando respostas concretas a problemas que a esquerda não conseguiu resolver em seu tempo”, diz Holzmann.

 

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