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Adeus palcos

Rita Lee faz 70 e se enfurna em casa, numa fase de grilo total

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Autor/Imagem:
Renato Vieira

Quando tinha 30 anos, Rita Lee lançou Modinha. “Ai, quem me dera um dia ficar de papo pro ar tirando um som numa viola”, diz o refrão da delicada música, estranha no ninho do roqueiro álbum Babilônia, o último gravado com a banda Tutti Frutti. Parece uma pista do que Rita Lee queria para si dali para a frente, depois de experiências intensas como a saída dos Mutantes e uma temporada na prisão por ter sido acusada de portar maconha. A recente chegada de Roberto de Carvalho em sua vida sugeria menos barulho e mais calma.

Ao lado de Roberto, Rita promoveu uma nova transformação no pop brasileiro, privilegiando as sutilezas amorosas. Mania de Você, Baila Comigo e Caso Sério foram por esse caminho. Mas excessos, vícios e superexposição não lhe deram a paz que encontrou em 2012, quando anunciou sua aposentadoria dos palcos. De lá para cá, ela tem feito raras aparições públicas e vem se dedicando à literatura. Escreveu uma autobiografia em que se expôs com sinceridade, além de Storynhas (2013), ilustrado por Laerte, e Dropz (2017).

Rita faz 70 anos do jeito que quis um dia. De papo pro ar em sua chácara nos arredores de São Paulo, tirando um som quando quer, cuida da horta e de bichos num eterno domingo. Ela respondeu a perguntas por e-mail sobre a chegada da nova idade. Diz estar “dando corda” para a escritora e ter músicas inéditas. Shows, nunca mais. “Estou num momento bicho grilo total, enfurnada na toca que é meu universo cheio de bichos e de plantas”.

A passagem do tempo foi bem retratada na sua obra. Visões do que poderia ser o futuro (‘2001’), lembranças do passado (‘Eu Sou do Tempo’) e o cotidiano apressado (‘Corre-Corre’), só para citar algumas músicas, mostram que você esteve pensando nessas questões. Chegar aos 70 anos é um estímulo para valorizar o que fez de bom ou pensar no que pode fazer daqui para a frente?

As duas coisas… Eu me orgulho de ter sido quem fui, das músicas que fiz, dos shows que apresentei. Agora estou com tempo de sobra para novas experiências empolgantes, como brincar de ser dona de casa, pintar quadros, cuidar da horta, lamber meus filhos e bichos, escrevinhar histórias, acompanhar os netos e aprender com eles sobre as modernidades do mundo.

Quando você estava quase chegando aos 50 anos, lançou um rock chamado ‘Menopower’, com letra que falava em “cinquentona adolescente”. Essa adolescente ainda está aí? Ou a maturidade a deixou escondida?

A criança, a adolescente e a madura estão lá no meu arquivo existencial, basta puxar e revivê-las quando quero. Experimentei todas intensamente. Minha nova fase de velha está sendo mais serena e sarcástica, mas não menos interessante.

Rita Lee – Uma Autobiografia’ foi um sucesso editorial em um país que lê pouco, e logo depois veio ‘Dropz’. A escritora vai substituir a cantora e compositora ou as duas têm convivido numa boa?

A cantora se aposentou dos palcos mas não da música, continuo compondo como sempre fiz, só falta lidar com minha preguiça para encarar um estúdio. A escritora ainda é novidade para mim, o ‘santo’ anda baixando naturalmente e eu apenas lhe dou corda.

Há algum tempo saiu uma caixa com a maior parte da sua discografia, e você postou uma foto dela no Instagram dizendo ‘De quando eu era artista’. Esse distanciamento permitiu que você escutasse novamente esses álbuns de uma outra forma?

Depois que mixava um disco, nunca mais tinha saco de ouvir e continuo assim até hoje, não sou uma velha saudosista. Essa caixa saiu sem eu ter escutado nada… Pra falar a verdade, nem lembro mais da maioria das quatrocentas e tantas músicas que fiz, minha autocrítica se orgulha de ter composto apenas poucas

Você tem ouvido a música pop brasileira e internacional? De quem você gosta e de quem você não gosta?

Minha neta tem me apresentado alguns funks e sinceramente não acho nada demais cantarolar sacanagens cadenciadas. A meninada hoje se expressa muito mais sem papas na língua do que jamais foi. Cada geração com o seu palavrão.

As questões do feminino também são retratadas nas suas músicas, em termos bem libertários. Como você tem visto o empoderamento das mulheres hoje?

Para mim as questões mais urgentes das fêmeas continuam sendo: ganhar o mesmo que os machos e ter direito ao próprio corpo.

Você tem feito músicas novas com Roberto de Carvalho? Planeja um novo álbum?

O casal tem várias inéditas, de repente podemos lançar um trabalho só com demos, que são os primeiros registros de quando o ‘santo’ baixa de verdade. Soa meio tosco mas vem direto da alma.

O que tem feito Rita Lee sair de casa? E o que faz Rita Lee ficar em casa?

Só quem me tira de casa por umas horinhas é meu neto Arthur, de dois meses. Melhor ainda quando ele vem me visitar. Estou num momento bicho grilo total, enfurnada na toca que é meu universo cheio de bichos e de plantas… Sair de casa pra quê?

O ano de 2018 também marca os 45 anos da gravação de seu primeiro álbum solo pós-Mutantes, que acabou engavetado, e circula pela internet e em reedições piratas. Há alguma possibilidade desse disco ser lançado oficialmente?

Não tenho a menor ideia quanto a isso… Lembro que o trabalho não foi lançado devido à baixa qualidade geral da produção, uma vez que foi todo gravado na base de LSD e, portanto, fora de órbita. Na época, não tive a preocupação de agradar a ninguém além de mim mesma.

Há uma nova geração que gostaria muito de te ver ao vivo, as tardes de autógrafos dos livros foram muito disputadas por jovens. Se jovens de todas as idades pedirem com jeitinho, vão te ver em um palco?

Queridos e queridas, seria humanamente impossível voltar a chacoalhar o esqueleto agora, aos 70 anos, como costumava e gostava de fazer. E se for pra cantar sentadinha feito múmia prefiro ficar em casa tricotando.

Tem algo mais que você queira falar para os leitores?

Tomara que em 2018 a raça humana se conscientize melhor sobre como deve comandar os destinos do planeta. E que também tenha a humildade para aceitar que os animais estão muito mais próximos da imagem e semelhança de Deus do que nós.

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