São Paulo
Estudo aponta alta prevalência de dores crônicas em morador de rua
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emEstudo inédito do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein (IIEP) mapeou a ocorrência de dores crônicas em moradores de rua. Foram entrevistados 69 pessoas em situação de rua da capital paulista. O resultado é que a dor crônica atinge 82,6% desse grupo, sendo que 73,8% das queixas são de incômodos nos músculos, tendões, ligamentos, articulações e ossos.
“A escala que nós utilizamos é dividida entre uma dor fraca, moderada e intensa. Cerca de 90% da mostra apresenta uma dor intensa, então quase todos os entrevistados, que já eram pacientes com dores crônicas, sentiam dor todos os dias por muitos anos”, explicou a enfermeira Ariane Graças de Campos que desenvolveu a pesquisa como dissertação de mestrado com orientação da pesquisadora Eliseth Ribeiro Leão. Quase 70% dos entrevistados disseram sentir dor todos os dias e, em grande parte dos casos, a duração é de horas (39,1%) ou dias (40,6%).
Levantamento feito em 2015 pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) a pedido da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social mostrou que 15.905 pessoas vivem em situação de rua na capital paulista. A pesquisadora Eliseth Leão afirma que estuda o assunto desde o início da década de 1990. “Para você ter uma ideia, além da pesquisa da Ariane que coordenei, existem apenas outras três pesquisas a respeito do assunto: Estados Unidos, Canadá e Reino Unido”, afirma.
A enfermeira Ariane Campos chama atenção para o fato de que é comum, entre os moradores de rua, o não tratamento da dor, bem como a percepção de que ela diminui com o tempo. “Não é que ela vai sentindo menos dor é que ela vai se adaptando a essa dor, vai se acomodando. A percepção da dor diminui, então vai fazendo parte do viver”, apontou.
Entre as características relacionadas a dor que afetam essa população, ela explica que não foram observados comportamentos diferentes entre os gêneros. “Em todos os estudos no mundo, a mulher sente mais dor que o homem. Na rua não foi encontrada essa diferença”, acrescentou.
Também foi identificado que a dor interfere em todas as atividades do cotidiano dessas pessoas. Para 87,2%, a condição de rua prejudica a qualidade e a duração do sono. Entre os fatores que contribuem para isso, foi citado o fato de dormir no chão, de estar exposto ao frio e vulnerável à violência. Eles disseram ainda que a dor impacta no humor (83,8%) e no trabalho (79,3%).
“Além de atrapalhar todas as atividades, atrapalha em um percentual assustador, inclusive para caminhar. Pensando que o morador de rua é o cara que precisa caminhar pela cidade o tempo todo para sobreviver, buscar alimento, conseguir vaga de albergue. Faz parte do modo de vida caminhar”, exemplificou.
Cuidados – O tratamento medicamentoso para dor foi utilizado por apenas 35,4% dos entrevistados, enquanto 64,6% não fizeram uso de nenhum cuidado médico. Os moradores de rua também relataram dificuldades para conseguir prescrição médica (66,7%). Para 31,9%, não houve dificuldade em conseguir o receituário.
A pesquisa identifica ainda as dificuldades encontradas pelos moradores de rua para tomar os remédios. Mais de 58% não o fazem por acreditar que a mistura entre medicação e álcool ou drogas faz mal. Para 54,3%, a dificuldade está em seguir os horários da prescrição médica. Também é alto o percentual dos que esquecem a medicação (43,5%) e dos que interrompem o remédio após melhora (41,3%).
Com base nessas informações, o Albert Einstein elaborou um curso online gratuito sobre o tema para profissionais de saúde e estudantes. Desde dezembro, quando ele foi disponibilizado, mais de 1.900 pessoas de diversas partes do país acessaram a plataforma. A série é composta de cinco vídeos e leva em consideração os aspectos identificados na pesquisa para traçar estratégias de atendimento. O curso pode ser acessado pela internet.
“Entre dezembro de 2017 a fevereiro de 2018, 1.932 pessoas fizeram o curso online e gratuito. A plataforma de curso aberto é composta por quatro aulas e vai ficar aberto por bastante tempo”, afirma Eliseth Leão.