Teatro
Pâmio volta ao universo de Brad Fraser em ‘Cobra Na Geladeira’
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emMais, mais e mais. Mais dinheiro, mais droga, mais tamanho, mais poder. Isso é o que querem os personagens de Cobra na Geladeira, todos envolvidos em um cotidiano de excessos e compulsões. A peça do provocativo autor canadense Brad Fraser, inédita no Brasil, está em cartaz no Centro Cultural São Paulo.
“Os personagens são um pouco produto dessa nossa cultura cercada, banhada e influenciada pela tecnologia e pelo consumismo”, comenta o diretor do espetáculo, Marco Antônio Pâmio, que revisita o universo de Fraser 18 anos depois de estrelar a montagem de Pobre Super-Homem e dez anos após dirigir Amor e Restos Humanos, textos mais conhecidos do dramaturgo.
A questão da sexualidade ainda está ali, mas o autor também explora as relações em “um mundo onde tudo virou artigo de compra e venda”, observa Pâmio. A galeria de tipos marginalizados e outsiders de Fraser em Cobra na Geladeira se encontra em uma antiga casa, onde a maioria deles mora, propriedade de Vivian, papel da atriz Regina Maria Remencius. A rede de negócios da empresária, descrita pelo diretor como ressentida e amarga, inclui casas noturnas e clubes de strip-tease.
Ela é um desdobramento da personagem Violet de Pobre Super-Homem, dona de restaurante cujo marido se apaixona pelo novo garçom, um pintor em busca de inspiração interpretado por Pâmio em 2000 na mesma Sala Jardel Filho que agora abriga a temporada do espetáculo, que estava sendo escrito naquele período. Responsável pela tradução do texto, o diretor decidiu manter a trama na época e usar termos como “boate” em vez de “balada”, por exemplo.
E para ganhar mais dinheiro, Vivian resolve investir no então inovador mercado de sexo virtual pago e convoca seus inquilinos a participar dos vídeos pela internet. Um dos interessados é Eric (Rodrigo Basso), gogo boy que trabalha em uma das casas noturnas da tia, viciado em anabolizantes e complexado pela baixa estatura. Seu melhor amigo, Tony, vivido pelo ator Esdras de Lúcia, é um ajudante de garçom que sonha em subir na profissão, mas é boicotado por ser negro.
Também frequentam esse mundo à la Baixo Augusta Adrian (Gustavo Moura), assistente e amante de Vivian, que namora Keila (Marina Possebon), jovem vinda do interior para morar nessa espécie de república. Outra inquilina é a stripper Dany (Juliane Arguello), que se dedica integralmente a cuidar da irmã com problemas mentais. Sarah, interpretada por Tailine Ribeiro, sofreu abusos sexuais na infância pelo irmão mais velho e tem poderes paranormais (ouve a casa falando com ela). Ainda há o traficante Gabriel (Lui Vizotto), fornecedor de Eric, e o misterioso Charles (Felipe Hofstatter), recém-chegado ao imóvel.
E claro, a cobra. Um animal meio inerte, que não se sabe se está morto ou vivo, recebido por Eric como pagamento de uma dívida de droga e guardado na geladeira quebrada. O bicho desaparece e a procura por ele ajuda a movimentar a história, construída em cima de cenas rápidas, de linguagem cinematográfica, característica do autor, assim como o humor ácido e ferino.
“O Fraser não julga ninguém, não critica ninguém, não tem pena de ninguém, não tem comiseração por ninguém. Isso é genial também”, diz Pâmio. Ele pediu permissão ao autor – que conheceu pessoalmente na passagem do canadense por São Paulo, em 2015 – para mudar alguns nomes dos personagens, soando, assim, melhor aos ouvidos do público brasileiro.