Colete amarelo e black bloc
Bastilhas voltam a Paris. Aqui volta a guerra dos esfarrapados
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Eleito em 2017 para barrar a chegada à Presidência da República francesa da líder de extrema-direita Marine Le Pen, Emmanuel Macron está no meio do maior tumulto não só de seu curto mandato até agora, mas de um dos maiores movimentos da história azul-branca-vermelha. Alguns mais empolgados nem hesitam em tecer comparações com 1789 e a simbólica queda de uma prisão política, a Bastilha. Se há um exagero, por enquanto, em qualificar o movimento dos “coletes amarelos” de revolucionário, é inegável também que existem Bastilhas modernas. Tanto na França quanto no Brasil. Algumas são as mesmas.
Desde os anos 2000, vários países europeus tornaram o uso do colete de alta visibilidade (empregado até então somente pelas autoridades, em particular do trânsito) obrigatório quando um pedestre se encontra numa via aberta. As cores podem variar, mas a legislação francesa, desde 2008, impôs a cor amarela. Todo carro precisa estar equipado de um ou vários destes coletes. O atual movimento nasceu espontaneamente e sem organização política ou sindical. E o estopim foi o anúncio de uma duplo aumento do preço dos combustíveis, um imediatamente, outro em janeiro de 2019, destinado a financiar a “transição energética”.
As mensagens nas redes sociais foram simples a seguir para quem queria protestar: era só colocar de forma visível o colete acima do painel de instrumentos do carro. A adesão ampla e imediata permitiu a evolução para a fase dois: blocagem de estradas em todo o território. É isto que acontece desde novembro, aos fins de semana.
O paralelo com o Brasil é claro num ponto: em junho de 2013, aqui, grandes manifestações de rua organizaram-se espontaneamente. Grupos e partidos do espectro radical, de direita ou de esquerda, podem ter se infiltrado depois, mas a imensa maioria vinha por vontade própria, e com reivindicações parecidas: muito além dos 20 centavos de real ou dos 15 centavos de euro, é custo-benefício que está sendo questionado. O que recebo quando pago? Os serviços públicos para os quais o Leão me espreita cada vez estão à altura da mordida?
Talvez sem teorizar ou formulando belos textos, o povo avalia que o Estado virou um ente abstrato, que sabe – e muito bem – cobrar mas esquece – quase sempre – de devolver em bem-estar. No Brasil, a carga fiscal está ligeiramente acima da média dos países europeus. Mais de 1/3 das riquezas produzidas vão alimentar o setor público. E voltam?
Na França, Emmanuel Macron já recuou. Adeus taxas extras sobre o combustível. Não tinha muita outra saída, após o próprio Governo constatar que a arrecadação extra, de cerca de 4 bilhões de euro (cerca de R$ 17 bilhões) ia parar diretamente no cofre comum, sem que a tal transição energética seja mais financiada. Sem surpresa num país que prevê para 2019 um déficit de 2,8 % e que tem uma dívida beirando os 100 % do PIB.
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Foto/Arquivo Notibras
A mentirinha não passou, mas deixou estragos. O movimento pena hoje em encontrar líderes que aceitem simplesmente reunir-se com o Governo. O Primeiro-Ministro acabou anulando uma mesa redonda com os “coletes amarelos” porque nenhum deles quis se apresentar. Alegam falta de confiança. Como também, outro ponto em comum com o Brasil, mostram desconfiança com a imprensa. O viés não é exatamente político, eles tendem a associar a mídia a esta classe “de cima”, à “casa grande” diríamos aqui. Sintoma já visto nos Estados Unidos na eleição de Trump. As mídias cada vez mais urbanas desconhecem a vida real das pessoas. E são culpadas de uma aproximação perigosa demais dos círculos do poder. Com passarelas de poder e financeiras que afetam, senão a imparcialidade, pelo menos a proximidade.
Nem tudo é comparável. O atual ranço ao Governo francês se dá num clima fortemente impactado com discussões, justamente, sobre o clima. Meio-ambiente, aquecimento global, efeito estufa, migrações climatológicas, planeta em perigo, redução do uso das energias fósseis, Tratado de Paris, Trump, China… Os europeus, na ocasião da COP 24 organizada na Polônia (a do ano que vem ia ser no Brasil, mas Jair Bolsonaro já pediu para ser descarregado do evento) estão bombardeados por previsões catastróficas e números alarmantes. Enquanto vários países já programam o fim da fabricação e venda de veículos com motores térmicos (tendo por único substituto por enquanto os elétricos, que posariam, em grande escala, problemas de geração de eletricidade e de reciclagem das baterias), aqui os últimos Governos federais editam medidas de incentivo às montadoras.
Macron cedeu os anéis. Não deve perder os dedos, mas certamente está roendo as unhas. Os próximos dias serão importantes. Mais de duzentos anos depois, a França pode reavivar um espírito revolucionário. Da última vez, cortaram a cabeça do rei. Se Brigitte, a esposa do Presidente, não mencionar brioche, o fim será menos violento desta vez.
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