Caso Coaf
STF suspende ação sobre dinheiro de Fabrício Queiroz
Publicado
emO Ministério Público do Rio informou que uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, nesta quinta-feira, 17, a suspensão do procedimento investigatório criminal que apura movimentações financeiras atípicas do ex-assessor do senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL), Fabrício Queiroz, e de outros assessores da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). O pedido foi feito pela defesa de Flávio, filho do presidente Jair Bolsonaro.
A decisão determina que o processo fique suspenso até que o relator da Reclamação, ministro Marco Aurélio Mello, se pronuncie. A determinação de suspender a investigação foi do ministro Luiz Fux. O Ministério Público não informou o que motivou a decisão cautelar proferida nos autos da Reclamação de nº 32989.
“Pelo fato do procedimento tramitar sob absoluto sigilo, reiterado na decisão do STF, o MPRJ não se manifestará sobre o mérito da decisão”, informou o órgão, por meio de nota.
A assessoria do parlamentar que informou não ter conhecimento do assunto. A defesa de Queroz e seus familiares não se manifestaram.
O relatório do Coaf foi enviado ao Ministério Público Federal do Rio no âmbito da Operação Furna da Onça, que em novembro prendeu dez deputados estaduais suspeitos de receberem propina. Ao todo, 75 servidores são citados no documento, mas nem todos seguem o mesmo padrão de movimentação financeira. Queiroz e Flávio Bolsonaro não foram alvo da operação.
Ex-assessor do senador eleito na Alerj, o policial militar Fabrício Queiroz se tornou o principal personagem no caso que trouxe as primeiras dores de cabeça ao novo governo de Bolsonaro após a eleição. O padrão das movimentações atípicas de Queiroz se repetiu nas contas bancárias de ao menos outros 28 servidores da Alerj, segundo relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Após faltar a dois depoimentos marcados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro e ser internado, Queiroz corre o risco de ser denunciado sem dar sua versão sobre o caso aos promotores, conforme afirmou na terça-feira o procurador-geral de Justiça do Rio, Eduardo Gussem.
Entenda o caso:
1. O relatório do Coaf
No dia 6 de dezembro de 2018, o Estado revelou que um relatório do Coaf apontou movimentação atípica de R$ 1,2 milhão em uma conta no nome de Fabrício José Carlos de Queiroz. O valor se refere ao período entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017.
À época, ele estava registrado como assessor parlamentar do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro – filho mais velho do presidente eleito Jair Bolsonaro. Queiroz é também policial militar e, além de motorista, atuava como segurança do deputado. Foi exonerado do gabinete no dia 15 de outubro do ano passado.
Além disso, uma das transações na conta de Queiroz citadas no relatório do Coaf é um cheque de R$ 24 mil destinado à primeira-dama Michelle Bolsonaro. O documento foi anexado pelo Ministério Público Federal à investigação que deu origem à Operação Furna da Onça, realizada no mês passado e que levou à prisão dez deputados estaduais da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
2. Bolsonaro e família
As primeiras explicações da família Bolsonaro sobre o caso apareceram no final da tarde de sexta-feira, 7. Sobre o cheque de R$ 24 mil que havia sido depositado na conta da primeira-dama, o presidente Jair Bolsonaro disse que o valor se referia a um pagamento de parte de uma dívida que o PM teria com o próprio presidente. O valor total da dívida seria de R$ 40 mil, segundo Bolsonaro.
“Emprestei dinheiro para ele em outras oportunidades. Nessa última agora, ele estava com um problema financeiro e uma dívida que ele tinha comigo se acumulou”, disse o presidente.
Mais cedo, Flávio Bolsonaro havia dito à imprensa que Queiroz havia apresentado a ele “uma explicação plausível” para a movimentação de R$ 1,2 milhão. Questionado, se negou três vezes a dizer qual era a explicação.
A essa altura, o senador eleito havia saído em defesa do ex-assessor através de sua conta oficial no Twitter. “Trabalhou comigo por mais de dez anos e sempre foi da minha confiança”, escreveu, na rede social. “Nunca soube de algo que desabonasse sua conduta.”
Antes mesmo da publicação da reportagem, o filho do presidente já havia sido procurado pelo Estado para se manifestar sobre o caso, e havia dado respostas no mesmo sentido. Localizado pela reportagem, Queiroz havia respondido na ocasião que não sabia “nada sobre o assunto”.
Cinco dias depois, o presidente voltou ao assunto em uma transmissão de vídeo pela internet: “Se algo estiver errado, que seja comigo, com meu filho, com o Queiroz, que paguemos a conta desse erro, que nós não podemos comungar com o erro de ninguém”, disse.
3. MP abre investigação
Onze dias após a publicação da primeira reportagem sobre o caso, o Ministério Público do Rio abriu 22 procedimentos de investigação criminal com base no relatório do Coaf, com Queiroz entre os investigados. Com isso, são marcados os primeiros depoimentos para esclarecer o caso.
Até isso ocorrer, outros detalhes do caso já haviam se tornado públicos. O mesmo relatório havia apontado, por exemplo, havia citado movimentações entre contas de Queiroz e de sua filha, Nathalia Melo de Queiroz. Nathalia era, até novembro de 2018, assessora lotada no gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados.
Além disso, uma análise na movimentação financeira de Fabrício Queiroz mostrou que funcionários lotados no gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj repassavam valores equivalentes até 99% do salário que recebiam. Foi esse o caso de Nathalia, filha de Queiroz.
Outras duas servidoras repassaram de 24% e 46% do valor de seus salários. Cerca de 57% dos depósitos feitos na conta de Queiroz ocorreram no dia do pagamento dos salários na Alerj no período investigado, ou até três dias úteis depois.
4. As faltas
Alegando motivos de saúde e falta de tempo para analisar as acusações, o ex-assessor Fabrício Queiroz faltou a dois depoimentos – nos dias 19 e 21 de dezembro – marcados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro para explicar suas movimentações financeiras.
Poucos dias após perder a segunda audiência, ele apareceu em público pela primeira vez para prestar esclarecimento sobre o caso, em uma entrevista entrevista ao SBT. À emissora, disse que a movimentação de R$ 1,2 milhão ao longo de um ano é resultado de seus negócios com venda de carros. Queiroz, contudo, não explicou os depósitos feitos em sua conta por funcionários do gabinete e familiares empregados por Flávio e o presidente eleito.
No dia seguinte à veiculação da entrevista, comunicou ao Ministério Público que passaria por uma cirurgia urgente. Segundo a Promotoria, ele apresentou “atestados que comprovam grave enfermidade” na ocasião.
O senador eleito Flávio Bolsonaro também faltou ao depoimento marcado para o caso, no dia 10 de janeiro. Em nota, o filho mais velho do presidente disse que não é investigado e que não teve acesso aos autos do procedimento aberto pelo MP. Flávio, que não é obrigado a comparecer, prometeu marcar uma nova data para depor.
Já o procurador responsável pelo caso disse que pode encerrar a investigação e oferecer denúncia à Justiça sem que eles prestem depoimento.
5. Internação e dança
Queiroz foi internado no dia 30 de dezembro e submetido a uma cirurgia para retirada de um tumor maligno no intestino, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Ele disse que pagou a conta dos serviços médicos com recursos próprios e declarou ter recibo para comprovar, mas não quis dizer quanto custou. Um dia após receber alta, Queiroz disse ao Estado que esclarecerá “em breve” as movimentações atípicas em sua conta apontadas pelo Coaf, sem especificar quando isso ocorrerá.
Três dias depois, um vídeo no qual ele aparece dançando no hospital, enquanto toma soro, viralizou nas redes sociais. A defesa de Queiroz divulgou uma nota oficial afirmando que o vídeo foi feito em um “raro momento de descontração na visita deles no Albert Einstein”, pois ele passaria pela cirurgia nas horas seguintes, “inclusive com risco de morte”. Segundo seu advogado, seu vídeo teria sido feito no dia 31 de dezembro, à meia noite. Em um novo vídeo, ele afirmou estar revoltado com a circulação do vídeo e que estava apenas comemorando a virada do ano com a sua família.
6. O ‘padrão Queiroz’
Um relatório do Coaf mostra que ao menos 28 servidores da Alerj tiveram movimentações atípicas em suas contas bancárias com o mesmo padrão das realizadas por Fabrício Queiroz entre 2016 e 2017. Eles movimentaram valores acima de sua capacidade financeira, receberam depósitos de outros servidores da casa e, em alguns casos, em datas próximas do dia de pagamento da Alerj.
A Polícia Federal suspeita da existência de um esquema de nomeação de funcionários fantasmas e posterior devolução de parte dos salários para deputados e servidores.