Tragédia em Brumadinho
Suspeita no ar. E se os relatórios da Vale foram manipulados?
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emA terça-feira 29 foi de movimentações importantes em relação à tragédia de Brumadinho. Enquanto os trabalhos de resgate continuam na área devastada, a Justiça mineira, logo de manhã, viu executar cinco mandados de prisão temporária expedidos ainda no domingo. O alvo são técnicos tanto da Vale quanto de uma multinacional de certificação, muito respeitada internacionalmente, a TÜV. A investigação partiu da apresentação, pela Vale, de certificados de vistorias e inspeções realizadas em 2018. Para a empresa, a documentação está em ordem. Várias pistas são exploradas.
É preciso primeiramente verificar a autenticidade dos documentos. Depois, e é o que motivou as prisões, entender o processo de certificação. Como se realiza, na prática, a inspeção. Os técnicos se deslocam até a barragem? Quanto tempo ficam? Quais são os métodos de verificação das condições de estabilidade? Quais são as relações entre essas cinco pessoas? A apreensão dos computadores e celulares, além dos interrogatórios e eventuais acareações devem esclarecer o modus operandi deste tipo de inspeção.
Se descobrir que houve fraude nos documentos, a ação precisa ser exemplar. A opinião pública reclamará muito mais que alegações de imperícia ou de negligência. Seria caso claro de homicídio. Com risco de ser considerado doloso, quando há intenção de matar. Em analogia ao motorista embriagado que provoca um acidente causando vítimas fatais. E ainda não será o fim da linha. A polícia precisará investigar quem mais sabia, até mesmo quem teria mandado ou ajudado na confecção de relatórios ou certificados falsos. De trágico, o evento passará a ser sórdido.
Mas é também possível que os requisitos formais e legais tenham sido atendidos. Que, segundo os protocolos técnicos, a obra tenha realmente sido considerada estável, como assegura a Vale. Neste caso, será preciso investigar de mais perto, de um lado, os corpos técnicos estadual mineiro e federal. Sem esquecer o poder político.
As idas e vindas de projetos legislativos pelas casas parlamentares se perderam em circunvoluções após a indignação de Mariana. Mais de três anos depois, nada mudou. Mais exatamente, não mudou para melhor. Porque em Minas, o Executivo, em 2017, modificou e simplificou os processos de licenciamento ambiental. A pedido expresso das mineradoras. A despeito do espectro político do governador mineiro, as práticas não parecem estar mudando. O secretário de Meio Ambiente da gestão Fernando Pimentel (PT), Germano Luiz Gomes Vieira, justamente quem assinou a norma flexibilizando os processos ambientais, foi reconduzido ao cargo no atual Governo Romeu Zema (Novo).
Mas a decisão mais importante do dia veio da Vale. A coincidência de método de construção das barragens tanto de Mariana quanto de Brumadinho levou a companhia a anunciar o desmantelamento deste tipo, o mais precário (e o mais barato) dos três disponíveis. A empresa já vinha abandonando esta prática (essas barragens foram construídos ainda no tempo da Vale estatal) mas indicou ter ainda 10 edificações deste tipo, todas em Minas Gerais. As minas que utilizam estas barragens terão suas atividades suspensas.
A consequência direta será uma diminuição de cerca de 10 % da produção de minério de ferro da Vale, e um investimento de R$ 5 bilhões. É possível que, com esta medida, obviamente tardia em face do pesado tributo pago pela população e pelo meio-ambiente, Flávio Schvartzman tenha salvo sua cabeça na presidência da segunda maior empresa do Brasil. Por enquanto. Mas se o inquérito lá em Minas descobrir que houve falcatrua, cabeças hão de rolar. E não só as menores.