O que há por trás do repentino interesse americano na Índia
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emPara especialistas, se Washington conseguir romper ao menos uma ligação dentro dessa grande associação [Brics], isso será suficiente para colocar um ponto final em toda a união. O que permitiria aos Estados Unidos manter a inércia (ou a ilusão) do mundo unipolar durante um determinado período de tempo.
No início de agosto, três altos funcionários americanos fizeram três visitas à Índia em um curto intervalo de tempo: o secretário de Estado, John Kerry, e os secretários de Comércio, Penny Pritzker, e de Defesa, Chuck Hagel. Este novo interesse pela Índia tem muitas razões, mas a principal é o desejo de transformar a o país não apenas em um parceiro, mas também em um aliado e um promotor dos interesses dos Estados Unidos na Ásia, assim como, na medida do possível, forçar sua saída dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul), um bloco que já a médio prazo será capaz de derrubar o monopólio dos Estados Unidos na economia e na política mundial.
Ao analisar os resultados das visitas americanas, a maioria dos jornalistas ressalta uma série de pontos específicos. Por exemplo: ninguém ignorou o fato de que o primeiro ministro da Índia, Narendra Modi, até pouco tempo era considerado “persona non grata” nos Estados Unidos e que o Departamento de Estado constantemente lhe negava o visto de entrada no país. Agora, a situação mudou e Washington precisa mudar de estratégia urgentemente: recusar o visto ao líder de uma das maiores potências do mundo é inaceitável e John Kerry, durante sua visita, teve que declarar que já não existe nenhum problema na questão do visto e que os Estados Unidos estão ansiosos por uma visita de Modi.
Ela acontecerá em setembro, quando o líder indiano viajará para participar da Assembleia Geral da ONU e encontrará o presidente Barack Obama.
Também se destacam vários pontos das relações bilaterais, como alguns problemas que até hoje não foram solucionados. Kerry e a secretária de Comércio, Pritzker, não conseguiram fazer a Índia mudar de posicionamento com relação ao projeto do acordo de simplificação das normas de comércio (o “Trade Facilitation Agreement”) apresentado pelos Estados Unidos na OMC. A Índia alega que a assinatura desse acordo irá forçar o país a cancelar seus subsídios dos programas de produção agrícola e isso afetará 67% da população do país, sobretudo as camadas mais pobres e socialmente vulneráveis.
Os emissários americanos também não conseguiram dissipar os sentimentos negativos causados pelos recentemente revelados casos de espionagem aos dirigentes do partido indiano Bharatiya Janata, atualmente no poder. Existem outros problemas, como o endurecimento da legislação migratória nos Estados Unidos e as medidas discriminatórias tomadas pelo Senado contra empresas indianas de tecnologia da informação (a chamada lei 744).
Esses problemas, apesar de sua gravidade, apenas refletem um conjunto mais abrangente das questões relacionadas aos processos correntes de reestruturação de todo o sistema de relações internacionais. O mundo unipolar construído pelos Estados Unidos durante os anos 90 e mantido por inércia durante a primeira década do século 21, se encontra à beira do colapso. Em Washington, não se pode ignorar isso. Daí suas tentativas frenéticas e desajeitadas de mudar o rumo dos acontecimentos.
Justamente esse desejo de manter a ordem mundial unipolar resulta na obstinada negação dos Estados Unidos em reconhecer sua derrota no Oriente Médio. Esse mesmo desejo é a causa da atual crise na Ucrânia, iniciada pelos Estados Unidos para alcançar uma série de resultados estratégicos: abrir uma brecha nas relações entre Rússia e União Europeia, abocanhar uma importante fatia do mercado europeu de gás e, caso os acontecimentos se desenvolvam segundo o pior dos cenários possíveis para o mundo (e o mais benéfico para os Estados Unidos), sanar uma dívida externa multimilionária. Uma grande guerra salda todas as dívidas.
Por que precisamente a Índia? De fato, no atual mundo globalizado acontecimentos em diferentes regiões do mundo não podem ser vistos isoladamente. Os fracassos da política externa americana e os crescentes problemas na economia impossibilitaram Washington de realizar a “virada estratégica” com relação à Ásia anunciada no fim de 2011. Enquanto isso, a China, o principal oponente geopolítico dos Estados Unidos, está ampliando não apenas seu poderio econômico, mas também sua influência política. Por essa razão, a principal meta estratégica de Washington na Ásia e na região Ásia-Pacífico é investir na confrontação entre China e demais potências regionais, principalmente Japão e Índia.
É exatamente isso que a administração Obama não quer perder de forma alguma. A crise da ordem mundial unipolar se vê refletida não só nos fracassos dos Estados Unidos em sua política exterior, mas também (e isso é muito mais perigoso para Washington) nas perspectivas de perda do monopólio do dólar no sistema financeiro mundial.
Nesse contexto, a iniciativa dos Brics de criar seu Banco de Desenvolvimento, cujas contas figurarão em divisas nacionais, pode significar uma ameaça enorme, ainda que para o futuro, ao monopólio dos Estados Unidos e às instituições financeiras mundiais criadas segundo o sistema Bretton Woods.
Isso é precisamente o que explica o aumento da atividade dos Estados Unidos das suas relações com a Índia. Para Washington, não há hoje tarefa mais importante do que romper as relações entre os países dos Brics.
Se Washington conseguir romper ao menos uma ligação dentro dessa grande associação, isso será suficiente para colocar um ponto final em toda a união. O que permitiria aos Estados Unidos manter a inércia (ou a ilusão) do mundo unipolar durante um determinado período de tempo.
Assim, as tentativas de flertar com a Índia não devem ser vistas como um desejo sincero de promover uma cooperação em benefício comum dos dois países. Em todos os passos que dá em matéria de política exterior, os Estados Unidos buscam unicamente seus próprios interesses. E ainda que nessa etapa esses interesses sejam movidos pela necessidade de estabelecer relações com um país específico, em pouco tempo os Estados Unidos podem tomar uma direção diametralmente oposta.
Borís Volionski, Gazeta Russa