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Um Banho de Vida

Homens desiludidos encontram motivação para viver

Publicado

Autor/Imagem:
Luiz Carlos Merten

Faltou cadeira para todo mundo – a coletiva de Le Grand Bain, o longa dirigido pelo ator Gilles Lellouche que estreou na quinta, 21, no Brasil, como Um Banho de Vida, reuniu tanta gente no Festival de Cannes, no ano passado, que virou um dos happenings do evento. Lellouche – nenhum parentesco com Claude Lelouche – e seus amigos, Mathieu Amalric, Guillaume Canet, Benoît Poelvoorde, Philippe Katherine, Jean-Hugues Anglade, Félix Moati, Marina Foïs, Leïla Bekhti, Virginie Efira e Noée Abita fariam, a seguir, uma ruidosíssima montée des marches, a tradicional subida da escadaria, pelo tapete vermelho.

Um Banho de Vida não foi recompensado, nem poderia ser – passou fora de concurso. Como evento midiático, foi 10. Como filme, é bom, e até muito bom. O elenco ajuda – “vestiu a sunga”, como disse o diretor. Um filme sobre nado sincronizado masculino? “É coisa de mulher”, surgem alguns comentários, quando o personagem de Amalric anuncia o que está praticando na piscina. Lellouche agrega cenas da lendária Esther Williams na piscina da Metro – coreografia do grande Busby Berkeley –, mas seu filme procura justamente desmontar estereótipos, e não apenas os de gênero.

Um Banho de Vida foi um megassucesso nas bilheterias francesas no ano passado, faturando 4,1 milhões de espectadores. Cravou dez indicações no César, o Oscar francês, empatando com o grande vencedor da festa – o drama conjugal Custódia, de Xavier Legrand. Levou apenas uma, a de melhor ator coadjuvante para Philippe Katherine, e ele está realmente sensacional. Há algo de Ou Tudo ou Nada, de Peter Cattaneo, nessa história.

Lembram-se dos desempregados britânicos que formavam um clube de strip-tease? São substituídos aqui por um bando de desajustados, a começar pelo protagonista, Bertrand, personagem de Amalric. Embora seja um astro na França, Lellouche preferiu permanecer atrás das câmeras, concentrando-se no trabalho de direção. Bertrand está numa crise medonha. Desempregado há dois anos, não faz mais sexo com a mulher – a paciente Marina Foïs – há quase tanto tempo. Perdeu o respeito dos filhos. Nesse quadro de desalento, ao levar a filha à natação ele vê um anúncio. Há uma vaga na equipe de nado sincronizado masculino da escola da garota – equipe que ele nem sabia existir.

Bertrand inscreve-se e é aceito no desastrado grupo. Entre um treino e outro, os nadadores fazem sauna – e bebem. Contam-se os problemas, e todos os têm. A instrutora, Virginia Efira, também está em crise – é alcoólatra. É salva pela ex-parceira, Leïla Bekhti, quando o grupo, contra todas as possibilidades, se inscreve no campeonato mundial da categoria.

Qual é a chance? Nenhuma. Foi justamente o que atraiu Lellouche no roteiro de Ahmed Hamidi e Julien Lambroschini, que ele retrabalhou com a dupla, para torná-lo mais adequado ao seu elenco. “Uma história como essa, de transformação pessoal e superação de obstáculos, me pareceu ter tudo a ver com o momento difícil que vivemos. Em todo o mundo há desalento, tensões raciais e sociais, desconfiança com os imigrantes. Então, um filme agregador, das pessoas, dos gêneros, das etnias, me pareceu ter tudo a ver”, disse o diretor na coletiva.

E seu astro, Amalric. “Bertrand é desenhado no roteiro com economia. Os elementos estão ali, mas não chegam a ser aprofundados porque a promessa do filme é ser light, abordando temas graves. Isso nos permitiu, e agora não falo só de mim, mas em nome de todos, preencher as lacunas e enriquecer nossos personagens. Lellouche nos agradeceu, dizendo que tornamos o filme muito mais denso e profundo. É o que ocorre com os personagens. Naquela piscina eles descobrem um novo batismo, uma nova possibilidade de vida.”

A questão de gênero é sutilmente colocada – Virginia faz a instrutora fragilizada, entra em cena a durona Leïla. O ritmo passa a ser outro, até com um tanto de incorreção, porque a personagem de Leïla está presa a uma cadeira de rodas e os marmanjos, num determinado momento, tiram proveito. “É o lado Intocáveis de nossa história. Omar Sy e François Cluzet já mostraram que se pode fazer humor sobre a dificuldade mais pessoal. O importante é evitar a discriminação e o preconceito”, diz o diretor e corroteirista.

Embora seja uma história de superação, Um Banho de Vida procura evitar o excesso de otimismo. “No final, nada está completamente resolvido, mas a vida deu uma trégua a todos os nossos personagens. Eles passam a confiar mais nele. Até o sexo sorri para Bertrand”, comemora Amalric, que também tem uma bem-sucedida carreira como diretor.

Philippe Katherine, que responde pelos melhores momentos cômicos da trama, irrompeu no cinema francês como Philippe Blanchard. Trocar o nome fez-lhe muito bem. Além de ator e até diretor (Peau de Cochon, de 2005), é cantor e compositor, com mais de dez álbuns no currículo.

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