Telona
Poder de Aladdin para mudar a vida ao seu redor
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emHollywood sempre foi fascinada pelas ‘arabian nights’ e pelos contos das 1001 noites. Belas princesas, vizires ambiciosos (e malvados), lâmpadas mágicas e o ladrão de Bagdá atiçaram a imaginação do público por décadas. A primeira versão da fábula foi dirigida em 1924 pelo jovem Raoul Walsh, com o lendário Douglas Fairbanks.
Quase um século depois, continua a ser um dos mais criativos filmes do cinema mudo, e os sets criados por William Cameron Menzies ainda provocam maravilhamento. Passaram-se 16 anos e, na Inglaterra, o trio William Berger/Tim Whelan/Michael Powell recontou a história com ainda mais magia e efeitos avançados para a época. O filme venceu o Oscar de fotografia, um trabalho magistral de Georges Perinal, tinha a trilha gloriosa de Miklos Rosza e aquele elenco – Sabu, o expressionista (de O Gabinete do Dr. Caligari) Conrad Veidt como o vizir e Rex Ingram como o gênio.
Passaram-se mais de 50 anos e a Disney se reapossou da história numa das primeiras animações computadorizadas. Aladdin, de Ron John Muskier e Ron Clemens, beneficiava-se enormemente da trilha de John Mencken e da canção (A Whole New World) vencedoras do Oscar, mas o que realmente fazia a diferença era Robin Williams como o gênio. O sucesso foi tão grande que inspirou o musical da Broadway, tão pródigo em efeitos que o público ia, e ia de novo para tentar identificar o mecanismo que mantinha o tapete voando.
Aladdin ganha agora uma versão live action com gênio (Will Smith), tapete (um verdadeiro personagem) e um jovem casal de cortar o fôlego, de tão bonitos – o egípcio-canadense Mena Massoud e a britânica Naomi Scott. Nessa era de demonização do mundo árabe, não representa pouca coisa que um rato das ruas, o ladrão de Bagdá, seja celebrado como o mais puro dos homens. Foi o que, com toda certeza, atraiu o diretor Guy Ritchie.
Faz tempo que o nome dele vinha sempre acompanhado de um aposto – o ex de Madonna. Como diretor, Ritchie começou numa pegada tarantinesca, com filmes como Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes e Snatch – Porcos e Diamantes. Não é, nunca foi, um grande diretor, mas é possível divertir-se com as bossas de montagem de Sherlock Holmes e O Agente da U.N.C.L.E. Com o seu Rei Arthur – A Lenda da Espada, reabriu a vertente arthuriana, mas o fez por um viés muito particular.
Segundo a lenda, só o mais nobre dos homens poderia desembainhar da pedra a espada mágica de Excalibur. O Arthur de Guy Ritchie – o poderoso Charlie Hunnam – passou a infância num bordel, entre prostitutas e rufiões, e nem por isso deixou de ser um homem nobre. Essa mesma preferência pelos marginalizados o levou a Aladdin. O vizir procura alguém de coração puro que lhe traga, das profundezas daquela caverna, a lâmpada mágica. Basta esfregá-la que, de dentro, sai um gênio, capaz de realizar três pedidos, e ao vizir só interessa um. Deixar de ser o segundo para se tornar o primeiro – para reinar.
Na trama clássica, Aladdin apaixona-se pela princesa Jasmine, que confunde com uma aia do palácio. Da caverna, ele sai como príncipe – Ali –, para pleitear a mão da garota. Ela já vive nesse mundo do cinema pós-Mulher-Maravilha. Reivindica o direito de governar, mas seu pai, preso à tradição, exige que se case com um príncipe, e ele sentará no trono. O gênio, que negocia com Aladdin cada um de seus pedidos, sonha ser livre, mesmo sabendo que só um coração puro poderia desistir do poder conferido pela lâmpada.
A novidade é que, sendo Aladdin um musical, toda essa história é contada com canto e dança. Como ocorre com frequência nas produções animadas da Disney, o alívio cômico é proporcionado por animais. O macaquinho (Abu) de Aladdin, o papagaio demoníaco do vizir. São muito engraçados. Um personagem muito especial é o tapete, que usa as guirlandas em suas extremidades como mãos para expressar afeto.
Ação, música, humor – e magia. E aqui, por mais encantador que possa ser o filme, mesmo para quem não é louco por musicais, pode estar o problema. Os efeitos nas cenas com o tapete são impecáveis, mas o gênio permanece atado à lâmpada por um cordão umbilical que é esquisito. O reparo não invalida o filme, mas permite lembrar que o rei Arthur também seria muito melhor, se no segmento final Charlie Hunnam não tivesse de enfrentar o monstro em que se transformava o vilão Jude Law (como aqui o vizir).
Na era dos efeitos em Hollywood, Guy Ritchie, homem do seu tempo, talvez esteja querendo passar um recado. O mecanismo pelo qual Aladdin muda as vidas de todos – reino, princesa e do gênio +– interessa-lhe muito mais do que a lâmpada. Mas a lâmpada, relegada à caverna profunda, não será o próprio cinema? Imperfeições à parte, Aladdin reafirma a magia árabe de Hollywood.