Um ano depois...
Escola compartilhada ganha espaço e agrada
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emAntes de assumir o posto de xerife de turma em 2019, a rotina do estudante José Almir da Costa Lima era a de “tocar o terror”, como ele mesmo diz, no Centro Educacional 01 da Estrutural. As brigas com os colegas e a desobediência aos professores eram constantes – mau comportamento que se repetia dentro de casa. Até que em fevereiro o pré-adolescente, hoje com 13 anos, imerso em uma realidade dominada pela violência e pela falta de segurança, passou a conviver com a Polícia Militar do Distrito Federal.
É que naquele mês o Governo do Distrito Federal (GDF) deu início à gestão compartilhada. Uma das boas novidades da nova gestão, o projeto desenvolvido pelas secretarias de Educação e de Segurança Pública vem mudando a realidade de estudantes em situação de vulnerabilidade de escolas com baixa pontuação no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
Prestes a completar um ano desde as primeiras implementações, os resultados colhidos são positivos. E os avanços comemorados por diretores, professores, pais e, principalmente, pelas partes mais interessadas: os alunos.
“Aqui eu arranjava briga com todo mundo e em casa era atentado, respondão e não queria fazer nada para ajudar minha mãe. Hoje atendo ao que ela pede e não crio mais confusão na escola”, admite o estudante José Almir, que percebeu no papel de liderança seu divisor de águas para a mudança de comportamento – ele quer ser policial militar. “Vi o quanto é difícil lidar com quem desobedece as normas.”
Efetivo
A média de militares nas escolas onde há gestão compartilhada é de oito policiais por turno – muitos com passagem pelo Batalhão Escolar. Eles cuidam desde a recepção dos alunos na entrada da aula até a reunião com pais de estudantes advertidos. Uma viatura fica no estacionamento da escola, à disposição para qualquer eventualidade. Até os mais experientes perceberam que a dinâmica é desafiadora, apesar de compensatória.
No CED 01 da Estrutural já teve caso de professora ameaçada de morte e posse de armas brancas e de fogo por alunos, escondidas em mochilas, além do consumo de drogas em banheiros e outras dependências. Já casos de furtos e assaltos dentro e nos arredores da escola eram parte da rotina e o rendimento escolar, cada vez mais baixo.
“Nossa missão é quebrar o ciclo de mentiras, violência e agressões a que muitos meninos e meninas estão acostumados e introduzir um sistema de normas que os alunos possam levar para a vida inteira”, conta o major da PM Lobato Marques, comandante do turno da tarde na Estrutural.
Pontualidade
A melhora na disciplina é evidente, garantem os educadores. Como há advertências e punições ao descumprimento de horário ou ao uso inadequado do uniforme, a pontualidade e o cuidado com a higiene pessoal também mudaram.
“Lidamos com uma comunidade carente onde, muitas vezes, falta o básico dentro de casa, inclusive carinho e atenção. Temos alunos que vivem em áreas de invasão, onde os recursos são ainda mais limitados e precários”, explica a diretora da unidade de ensino, Estela Accioly.
Estela, que antes tinha a sala diariamente cheia de alunos subordinados e advertidos, agora tem tempo para as funções primordiais do cargo. “Já consigo trabalhar no conselho de classe, cuidar da prestação de contas da escola, atender pais de alunos e participar do planejamento pedagógico. É outra realidade”, comemora.
Já a pedagoga Deborah Lucila, professora de uma turma do 5º ano, no início resistiu à chegada da PM no CED 01. Ela temia falta de liberdade para trabalhar. “O que nunca aconteceu”, garante.
Ela avalia que, ao deixar o controle da disciplina sob responsabilidade dos policiais militares, os professores perdem muito menos tempo chamando a atenção ou controlando a turma. Resultado: conseguem focar no repasse do conteúdo. “Era desanimador e cansativo. Hoje não é mais.”
Fim do medo
A dona de casa Delma Gomes de Oliveira tinha medo de mandar o filho Bruno, de 17 anos, para o Centro Educacional (CED) 308 do Recanto das Emas. Moradora da região, ela temia pela segurança do filho, exposto à violência, a assaltos e ao consumo de drogas na porta da escola. Estudante do 7º ano, ele tinha notas baixas em 2018. No ano passado, já apresentou rendimento muito maior. “Até na rua quando as pessoas me veem com um uniforme da escola me abordam de maneira diferente e respeitosa”, orgulha-se.
O CED 308 tem aulas de música e canto no contraturno, além de ordem unida. Um suporte dado pelos policiais, que se unem inclusive para arrecadar tênis para crianças que estavam indo para a escola de chinelo.
A realidade social dos estudantes na unidade de ensino merece atenção. Segundo o tenente Mário Vitor Barbosa, coordenador da equipe de policias do turno da manhã, de 40% a 60% dos alunos têm um dos pais recolhidos em presídios ou em regime semiaberto. “A violência na comunidade é muito presente”, resume o militar.
Apesar de sua experiência com estudantes em sua passagem pelo Batalhão Escolar do Distrito Federal, o tenente, pais de três filhos, diz estar vivendo um grande aprendizado. “No começo eu ia para casa ansioso, acelerado, com vontade de ver logo os resultados. Até perceber que, na educação, eles não vêm de um dia para o outro. É preciso ser persistente, repetir sempre os comandos e os ensinamentos – e percebo isso, inclusive, com meus filhos. Ao longo de quase um ano, percebo e comemoro nossos avanços.”
Orgulho do diretor Márcio Faria, a mudança no comportamento de estudantes indisciplinados é evidente. Seu tempo de trabalho, antes dominado por controlar infrações escolares e se preocupar com os casos de violência dentro e nos arredores da unidade, hoje já são voltados para o plano educacional. “[A gestão compartilhada] é o maior projeto que já vi. Não só de resgate educacional, mas social, valorizando as famílias, as crianças e a sociedade”, elogia.
Como funciona
O projeto de gestão compartilhada nas escolas do DF já aplicado em outros estados. Recentemente lançado em âmbito nacional pelo Ministério da Educação, trata-se de um modelo simples: melhorar o rendimento escolar de estudantes do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e do ensino médio por meio da disciplina e da segurança. Tudo isso envolvendo a comunidade, estimulando a participação dos pais na vida escolar dos seus filhos e auxiliando os professores na condução dos alunos – sem interferência alguma dos policiais no conteúdo ditado por docentes em sala de aula.
No primeiro semestre no ano passado quatro unidades de ensino aderiram ao projeto. No segundo, mais quatro e em 2020 o trabalho compartilhado entre educadores e a Polícia Militar chega a 12 escolas – duas delas geridas pelo Ministério da Educação.
Entusiasta, o governador Ibaneis Rocha considera a gestão compartilhada “um projeto vitorioso”. A ideia do governador é chegar a 40 unidades de ensino até o final do mandato e incluir a Polícia Civil e o Corpo de Bombeiros no projeto.
“Você notou que praticamente não há mais oposição? Em qualquer lugar que eu vá recebo o pedido de aumentar o número de escolas compartilhadas. Em todas as que adotaram este regime o índice de violência e instabilidade caiu na mesma proporção em que subiram os índices de aproveitamento escolar”, comparou Ibaneis.