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Passando o tempo

Velhos livros e novos hábitos com a escrita

Publicado

Autor/Imagem:
Gilberto Costa

Escrever pode ser uma angústia para quem tem obrigação e tempo marcado para o registro diário, como ocorre aos jornalistas. O martírio aflige escritores profissionais, com data para entregar o novo romance contratado pela editora, e aos teledramaturgos, que toda noite distraem milhões de brasileiros dando mais uma volta na trama que está no ar.

Além desses, a escrita impõe inquietações aos pesquisadores em suas dissertações e teses a serem submetidas e aprovadas em bancas, conforme rigorosos cânones de cada área de especialização. Padecem do desassossego ainda os jovens pré-universitários quando precisam fazer uma boa redação para passar no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ou no vestibular.

Mas, excluindo essas razões de ofício, escrever pode ser um deleite. O prazeroso exercício de dar vazão, sem pressa e sem patrão, a lembranças, reflexões e sentimentos com criatividade e estilo – como descobriram ao fazer cursos de criação literária depois da terceira idade, algumas mulheres.

Doris Topfspedt Vavallo tem mais de 80 anos e, “desde criança”, é apaixonada pela leitura e sempre cultivou a ideia de escrever um livro. O projeto foi guardado, mas após participar de três ciclos de oficina de escrita criativa se sente “mais confiante” e até recompensada ao ler seus textos para os colegas de curso. “Gosto da experiência de ter retorno. É gratificante quando a gente escreve e outras pessoas nos entendem.”

Ser o que quiser
A matemática Alice Guedes Almeida, 63 anos, sempre adorou escrever cartas. Recentemente, começou a participar dessas oficinas e também se surpreendeu. “Sou capaz de mais coisas do que imaginava. O que escrevo pode ter impacto.” Ela conta que experiência a ensinou a ser mais observadora: “aprendi a ter outro olhar para as pessoas e para o que leio.”

Alice se espanta com as possibilidades que cria em seu texto. ”Você pode ser o que quiser. Não há limites”. Segundo ela, o ambiente de interação da oficina, feita em grupo, é acolhedor e de sentimentos compartilhados. “Trocamos impressões e emoções.”

“Saio de lá rindo”, acrescenta a engenheira civil Luiza, 60 anos, que prefere ser identificada apenas pelo primeiro nome. Na diversão, criou uma personagem feminina. Alimenta as suas estórias com o que ouve na rua, em casa, com amigas e familiares. “Ela representa as mulheres que eu conheço. É um monte de gente ao mesmo tempo.” De acordo com Luiza, a prática de escrever “é uma terapia”.

Escrever sem ambições
“Toda arte é terapêutica. Escrever é uma arte”, concorda a economista aposentada, de 67 anos, Hortência Cunha Petra, pseudônimo que inventou para dar entrevista. “Escrevo sem ambições. Eu quero escrever, só isso. É divertido”, conta ao falar de sua terapia.

A estima pela palavra começou a ser cultivada na adolescência por Hortência, nos diários de menina. Nas oficinas que frequentou, descobriu que o gesto ainda lhe cai bem. Ela se admira com o caminho de sua prosa literária. “A escrita toma um rumo, ela própria. Acontecem coisas à minha revelia. Há palavras que se impõem.”

Doris, Alice, Luiza e Hortência fazem oficinas ministradas por Lorena Sales dos Santos, doutora em literatura pela Universidade de Brasília e pela Indiana University (EUA). De acordo com a professora, há mais mulheres procurando grupos de escrita, “especialmente nessa faixa etária acima dos 60 anos”.

Músculos criativos
O método de estimular e exercitar a escrita, Lorena conheceu e adaptou das experiências que teve nos Estados Unidos à época do doutorado. Em sua oficina, a professora “trabalha para que a escrita não precise acontecer em um processo solitário. Escrevemos em grupo, compartilhamos, trocamos feedbacks respeitosos e crescemos na escrita juntos. Costumo dizer que nossos grupos e oficinas são uma academia para os músculos criativos.”

A oficina já acolheu pessoas de 12 a 83 anos e mantém um blog com as suas publicações. A professora trata a todos como “escritores”. No caso dos “escritores acima de 60 anos”, se diferenciam porque “escrevem de tudo e gostam tanto de escrever, quanto de partilhar e ouvir os textos dos outros escritores de várias faixas etárias. É uma troca muito rica!”

“Essa galera [de mais de 60 anos] gosta de ler, escrever, participar, reunir e trocar textos”, elogia Tiago Novaes, doutor em psicanálise escrita pela Universidade de São Paulo, que acumula 12 anos à frente de cursos e oficinas de criação literárias. “Tenho alunos com mais de 60 anos que querem publicar, fazer livro e ganhar prêmio.”

A sua experiência mostra que as pessoas da terceira idade sempre foram “público expressivo” em suas aulas e costumam ser “menos ávidos e narcisistas” e “mais pacientes com o curso” que os mais jovens, apesar de eventuais dificuldades com a tecnologia, como a plataforma do seminário online e gratuito que mantém na internet.]

Tiago encoraja a todos que tenham algo a contar ou inventar, mas alerta que os cursos podem ser exigentes. Segundo ele, “a escrita é forma, precisa envolver o interlocutor”. Além disso, “escrever mobiliza questões muito íntimas. Pode atar ou desatar nós.”

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