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Vale tudo dentro das quatro linhas

Depois do pênalti cavado, general passará o poder

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João Moura, especial para Notibras

Estou numa quarentena beirando os 60 dias de isolamento social; quase já nem sei mais quem sou. Mas isso não tem a menor relevância num momento em que boa parte do mundo está atravessando o inferno. Não posso querer viver num paraíso só meu. Fizeram um pênalti cavado na minha área. Estou em prisão domiciliar sem ter cometido crime algum. Pode isso, Arnaldo?!

Depois de sofrer essa penalidade, antevejo minha preferência política, que é a de um General passar o poder a um civil. Novamente. Mas, minha preferência política em épocas de pandemia também não tem importância nenhuma. Até porque, meus heróis morreram de overdose. Estamos na mão do Thanus e dos Senhores da Guerra. O que me sobra são os vetos que tenho a políticos em quem nunca votaria.

Então, fica mais fácil analisar estratégias desses senhores e a do PR Bolsonaro, visto que ele quer governar por plebiscito e pressão popular, mesmo tendo passado mais de 20 anos em quarentena no Congresso. Lá, como zumbi, ele agiu em momentos pontuais, mesmo que raros, para fazer sua máquina política funcionar do seu jeito. Esse é o seu modus operandi.

Dentre tantos políticos em que não votaria, Rodrigo Maia. Logo ele, que assumiu o papel de Temer em tempos outros da política nacional. Maia tem o termômetro do Congresso. Temer fazia o que Maia faz hoje. E Temer fez isso diretamente enquanto presidente. Maia se consolidou no papel de interlocutor do Congresso. Voz das minorias – e da oposição – no parlamento brasileiro.

Inicialmente o Messias (o PR Jair tem Messias no próprio nome) aceitou Maia, porque não havia contrapartida em corrupção. Maia só pediu duas coisas ao Jair: Fundão e Orçamento Impositivo. Esse era o acerto para que Maia pudesse fazer a máquina Brasil funcionar em tempos de reformas necessárias e urgentes na visão de Guedes – o posto Ipiranga de Bolsonaro.

Se houve uma armadilha para os planos imaginados pelo capitão e seu mentor econômico, os dois não perceberam nada. E Bolsonaro queria continuar sua política de enfrentamento com o Congresso, não negociando através do famoso toma lá, dá cá. No segundo mês de mandato do PR, houve a prisão de Temer e Moreira Franco (que é sogro de Maia). Ali acabou a confiança. E deu-se início ao troque de passes para cavar um pênalti contra o time de Jair e sua aliança pelo Brasil.

Quando a bola rolou, Maia entregou o combinado e fez aprovar a Reforma da Previdência. Outras reformas viriam. Era o esperado na trama política de 2018. Mas, aí chegaram as contas a serem liquidadas, como o Fundão e o Orçamento Impositivo.

Primeiro o Fundão Eleitoral, pois a máfia das campanhas estava abalada pela Lava Jato. Velhas raposas políticas pensaram rápido. Pra que correr risco criminal se você pode receber do governo para se eleger? O Fundo Partidário, o Fundão Eleitoral… é a jogada pela lateral do chamado financiamento público de campanha lá dos tempos dos governos petistas.

Depois, a outra conta: o Orçamento impositivo. Mesmo raciocínio – Pra que ceder ao governo por liberação de emendas (o famoso toma lá, dá cá, de novo), se o Executivo – com a aprovação do Orçamento Impositivo – será obrigado a liberar? Resultado do acordo Maia-Guedes-Bolsonaro: garantia de dinheiro pra campanha e verba pra investir no curral eleitoral.

Durante todo esse tempo em que corria o acordo, a máquina de Bolsonaro de golear adversários e jogar para a torcida só falava contra o STF, mesmo havendo lá na Corte um acordo feito no vestiário para que o filho não fosse expulso do campo onde o prato é visto emborcado. A militância, bandeiras em punho, vociferava para fechar a casa do juiz e bandeirinhas que correm tal qual baratas tontas pelas laterais. Depois os holofotes das duas torres receberam pedradas. E Maia, o cartola-mór, passou a ouvir palavras de ordem gritadas das arquibancadas. Uma animosidade clara, pública e notória. A única ponte que sustentava os alicerces e evitava a combustão vinha do Posto Ipiranga.

Guedes lutava, enfrentava os leões na arena congressista e sua única restrição era o teto de gastos. O que entrava nas bilheterias, dizia, não era suficiente. E as reformas eram necessárias para que houvesse flexibilidade no orçamento impositivo. Era para arrumar verbas pra emendas ao Orçamento. E o jogo continuou até que veio o Orçamento de Guerra. A zaga central avançou para o meio campo, deixando perigosamente a grande área. A justificativa era a de que a torcida dos mais diferentes times não poderia ser sacrificada. Era preciso, portanto, salvar vidas sem medir o preço do passe.

Assim, por trás de uma boa causa, abriram-se as portas do inferno astral da economia brasileira. E a tribuna de honra, também conhecida como gabinete do ódio, engraxou as chuteiras e fez viralizar a pandemia já instalada com o novo coronavírus.

Com o Orçamento de Guerra em discussão e pauta principal do Legislativo, Maia não precisava mais das conversas então costumeiras durante intervalos prolongados no Posto Ipiranga. Com isso, rapidamente, reservas de Guedes começaram a forçar a barra do técnico, cobrando da diretoria do time sua entrada em campo.

Saindo do estádio e estacionando na Praça dos Três Poderes, onde o jogo continua, o poder de Bolsonaro na interlocução com o Congresso desapareceu. Por ter pisado na bola, Mandetta, que vinha surgindo como artilheiro, foi jogado para escanteio. E o presidente do time, que ainda acredita ter torcida organizada do Oiapoque ao Chuí, mesmo enclausurada, defende jogadas perigosas para que todo mundo corra às lojas, para que se gerem emprego e renda, mesmo com o risco de donos de funerárias ficarem mais ricos. E as arquibancadas, moribundas, ressuscitarão Raul Seixas cantando O Dia em que a Terra Parou.

É possível que o cartão amarelo tenha vindo de Wuhan onde o jogo pode até ser sujo, pois lá, onde o futebol é incipiente, a bola rola com gente de múltiplas nacionalidades. Mas o certo é que por aqui o rompimento Bolsonaro-Maia é visto como lance fatal, apesar de o capitão considerar que o pênalti foi cavado.

Bolsonaro ganha tempo. Acha que a ameaça que sofre é para 2022, quando o jogo será maior. Mas tem muita gente na arquibancada oposta dizendo que o cartão vermelho pode ser mostrado antes, motivado por uma falta de carrinho, por trás.

Aqui da varanda, fico olhando o realinhamento de forças políticas, sociais, sanitárias. Acredito que essa guerra já foi perdida. Qualquer que seja o desfecho final dessa pandemia. E não seremos os mesmos, nem hoje, nem amanhã. O Coronavírus já fez seu estrago no Brasil e no mundo. Mas a bola não pode parar. Ela precisa rolar para que a turma do Sub-20 entre em campo em 2022.

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