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Covid

Rio monitora favelas para evitar dano maior

Publicado

Autor/Imagem:
Akemi Nitahara

Para monitorar a real situação da pandemia de covid-19 nas favelas do Rio de Janeiro, diante da subnotificação de casos e discrepância nos dados oficiais, organizações que atuam nestes territórios lançaram iniciativas para fazer o levantamento dentro das comunidades.

O jornal comunitário Voz das Comunidades, do Complexo do Alemão, organizou um painel de dados de contágio com o recorte das favelas da cidade, com base nos dados oficiais. Enquanto o painel da Prefeitura do Rio de Janeiro especifica dez comunidades, a Voz das Comunidades lista, até o momento, 13 favelas com casos de covid-19. Até a noite de ontem (15), o painel contava 443 casos confirmados de covid-19 nas comunidades, com 153 mortes.

Segundo o fundador do jornal, René Silva, o monitoramento é feito com dados colhidos nas clínicas da família e Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) das regiões, dando mais precisão do local de moradia do paciente do que as informações da prefeitura.

“A prefeitura divulga por bairro e não é possível saber em que lugar é dentro do bairro. A Rocinha, por exemplo, entra muitas pessoas como bairro de São Conrado. Outros entram como Olaria, Ramos, Bonsucesso, não reconhece como Complexo do Alemão”.

Por isso, os dados divergem dos números da prefeitura. Na Rocinha, por exemplo, a favela com mais casos, o Voz das Comunidades registra 98 casos e 40 óbitos. No painel da prefeitura constam 70 casos e 22 óbitos. O Complexo da Maré aparece em segundo, com 67 casos e 17 óbitos segundo o Voz das Comunidades e a prefeitura. Manguinhos tem 44 casos e 12 óbitos de acordo com o jornal e 31 casos com seis óbitos segundo a prefeitura. No Complexo do Alemão, a prefeitura contabiliza apenas dois casos e um óbito, enquanto o painel do jornal comunitário soma 32 casos e 13 óbitos.

René explica que o painel do Voz das Comunidades registra apenas os casos confirmados. Ele adianta que o jornal está criando um painel paralelo para acompanhar os casos de óbitos suspeitos de covid-19, mas que não estão sendo testados nem contabilizados.

“Tem muitas pessoas que sentiram todos os sintomas de covid e tiveram uma morte muito rápida, de três a quatro dias, mas muitas delas não estão sendo testadas, então estão registrando a morte com outras causas, não estão entrando na conta oficial de covid”, diz ele.

O presidente da Associação de Moradores da Rocinha, Wallace Pereira, elogia o trabalho de René e confirma a subnotificação na favela da zona sul.

“O morador entra na UPA com suspeita e é transferido pro hospital de referência. Daí pra frente, chega a falecer mas não sai com o dado de que é da Rocinha, não notifica o endereço da Rocinha. Os casos notificados dentro da Rocinha, eu posso falar pra você que é o dobro ou o triplo, porque nós não temos um dado confirmado pra gente”.

O painel da prefeitura indicava na noite de ontem 2.355 casos de covid-19 sem a identificação de bairro.

Complexo da Maré
No Complexo da Maré, a organização Redes da Maré lançou na semana passada o boletim De olho no Corona!, com atualização semanal dos dados para as 16 comunidades do complexo de favela.

Os números divulgados ontem (15), com dados recolhidos até o dia 9, indicam 136 casos de pessoas com sintomas similares à covid-19 na Maré e 28 mortes suspeitas. Os casos confirmados são 34 e os óbitos oficiais são 17.

O levantamento é feito pela equipe de profissionais da área social da instituição junto à população e será lançado às quintas-feiras. O trabalho aborda também a situação das unidades de saúde que existem no território e acompanha a dificuldade que as pessoas estão encontrando para conseguir uma internação.

“Em levantamento da Redes da Maré, constatou-se que a UPA da Vila do João, única unidade de pronto atendimento da Maré, possui 15 leitos, dos quais dois em sala vermelha (emergência-atendimento imediato) e 13 em salas amarelas (urgente-atendimento em até 60 minutos), sendo destes dez para adultos e três para crianças”, diz o primeiro boletim.

A coordenadora do projeto, Lidiane Malanquini, explica que a necessidade de fazer o levantamento surgiu nos atendimentos feitos pela organização para levar informação aos moradores. Segundo ela, foi constatada a dificuldade das pessoas em terem atendimento adequado na rede de saúde.

“A falta de testagem dificulta a confirmação dos casos, já que as Clínicas da Família só fazem os testes em casos muito graves. Sabemos que muitas pessoas vão pras Unidades Básicas de Saúde e ficam em isolamento com sintomas de febre, dor no corpo, falta de ar. No entanto, estas pessoas não aparecem nas estatísticas como confirmadas, os números não mostram estes casos”.

Lidiane propõe que seja criada uma forma de acompanhamento dos pacientes que não ficam internados, para se ter uma noção mais real do tamanho da pandemia na cidade.

“São urgentes medidas como criação de um polo ou equipe de atendimento que monitore pacientes que, em princípio, não necessitam de internação; a testagem e qualificação dos dados sobre confirmados de covid-19; mais investimento em profissionais, estrutura e equipamentos de saúde e ampliação de leitos hospitalares com a utilização de espaços públicos como escolas e creches”.

Para a diretora do Observatório de Favelas, Isabela Souza, o “efeito gangorra” de contaminação pelo novo coronavírus já está surgindo nas comunidades, mas os dados ainda não apareceram nas estatísticas oficiais. Segundo ela, estimativas apontam um contágio de pelo menos o dobro do que é notificado.

“A taxa de contaminação que era muito grande nos bairros mais ricos agora se desloca para as regiões mais pobres da cidade e com índices de letalidade muito superior às das regiões mais ricas, porque essa regiões mais pobres não tem o mesmo acesso à saúde, as pessoas não tem grana para pagar saúde particular, para se alimentar tão bem e tem a imunidade mais frágil, moram em casas onde habitam muitas pessoas em poucos cômodos”, explicou.

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