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Covid

Quilaia, a árvore que pode garantir a nova vacina

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Autor/Imagem:
Lucía Blasco - BBC News Mundo

Esta semana começou com a notícia de uma vacina contra a covid-19 “90% eficaz” da empresa Pfizer. Depois, a Rússia divulgou que a vacina contra a covid-19 Sputnik V tem uma eficácia de 92%. Mas há mais vacinas em desenvolvimento. E uma delas deve seu funcionamento a uma árvore que é sagrada para os indígenas mapuches, do Chile.

Escondido na casca cinza, escura e rachada de uma bela árvore milenar endêmica do Chile, está o ingrediente fundamental para a cobiçada vacina que a farmacêutica sueco-americana Novavax já começou a testar em humanos.

É uma vacina que acaba de obter a designação para via rápida e está em fase final de teste clínico no Reino Unido. Este mês começará seus últimos testes nos Estados Unidos, México e Porto Rico.

O elemento-chave para esta vacina está em uma árvore que os indígenas mapuches usam desde a antiguidade como planta medicinal para curar todo tipo de enfermidades, desde problemas estomacais e respiratórios a problemas de pele e reumatismo, e cujas propriedades curativas são conhecidas (e aproveitadas) pela indústria cosmética, alimentar e farmacêutica há décadas.

A quilaia (Quilaia saponaria, se você perguntar a um cientista, e küllay para um Mapuche) é conhecida como a “árvore de casca de sabão” por suas saponinas vegetais, moléculas que espumam quando entram em contato com a água e que se tornaram um reforço cobiçado para a resposta imune de várias vacinas.

Uma delas é a Novavax, que recebeu o maior financiamento do governo Donald Trump para desenvolver a vacina contra a covid-19.

Mas o que há de especial na casca da quilaia para o desenvolvimento dessa vacina?

Aumento da imunidade
O ponto-chave é que as saponinas da quilaia podem ser transformadas em adjuvantes — substâncias que amplificam o efeito da vacina. Mas o processo é complexo.

“Os adjuvantes levam muitos anos para serem desenvolvidos e apoiam a resposta imunológica da vacina, tornando-a maior e de melhor qualidade”, disse Gregory Glenn, chefe de pesquisa e desenvolvimento da Novavax, à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.

Glenn diz que esses compostos “fornecem ao nosso sistema imunológico um importante sinal de alarme para reagir à vacina”. No caso do novo coronavírus, isso seria vital.

“A resposta do sistema imunológico a infecções respiratórias virais, como gripe ou covid, tem que ser muito alta e robusta porque, apesar de termos anticorpos, ficamos doentes. Isso acontece porque nossa imunidade é muito baixa — ou nula, no caso da covid — para bloquear a infecção”, explica Glenn.

“É importante adicionar um adjuvante à vacina para obter uma resposta maior que nos proteja melhor”, resume o cientista.

“O que fazemos é produzir uma proteína específica a partir do genoma do vírus e a introduzimos em uma partícula. Também fazemos o adjuvante (a partir das saponinas da quilaia), que introduzimos em outra partícula. Esses adjuvantes são fundamentais para o nosso corpo reconhecer a proteína e, portanto, geram uma resposta poderosa.”

As saponinas são encontradas em muitas plantas, mas até agora apenas as da quilaia se mostraram eficazes para a indústria farmacêutica, que após anos de pesquisas encontrou uma fórmula para transformá-las em adjuvantes que não são tóxicos para humanos.

A quilaia concentra as saponinas em sua casca e elas geralmente são extraídas do tronco.

A empresa de biotecnologia que fornece as saponinas para a Novavax, Desert King, desenvolveu um processo para extrair os agentes ativos da casca e da madeira da quilaia que, transformados em pó, vende para a Novavax para que fabrique suas vacinas.

“Extrai-se cerca de 30 ou 50 quilos (de saponinas) de uma árvore grande. A cortiça é limpa, a parte superior da casca, eles tiram com facas, e o resto é jogado fora. É pouca quantidade que pode ser extraída. Propus extraí-los da madeira para não matar a árvore, e foi assim que nasceu nossa empresa”, diz à BBC o pesquisador chileno Ricardo San Martín, que lidera o departamento de inovação da Desert King International em San Diego, na Califórnia.

Uma busca frenética
San Martín passou sua vida inteira estudando saponinas da quilaia e sua aplicação em vacinas.

“Quando surgiram novas doenças, na década de 1990, constatou-se que os antigos adjuvantes não estavam funcionando bem. O corpo não lembrava o que havia acontecido e a resposta imunológica era fraca. Aí começou uma busca frenética por novos adjuvantes”, diz o pesquisador.

“Desde a década de 1950 já havia sido descoberto que certos compostos da quilaia desempenham o papel de adjuvantes. Mais tarde, um pesquisador dinamarquês com quem trabalhei, Kristian Dalsgaard, observou que quando injetado em animais causava muita irritação e o purificava. Foi quando comecei a pesquisar esses compostos, em 1995”, conta San Martín, que então trabalhava na Universidade Católica do Chile.

“Pouco depois, nos Estados Unidos descobriram que uma parte desse composto poderia ser usada em vacinas humanas. Assim nasceu o QS21, nome científico do adjuvante purificado de saponina da quilaia”

“Há cerca de 10 anos, a farmacêutica GlaxoSmithKline (GSK) obteve aprovação para usá-lo em vacinas humanas. As contra herpes zoster e a malária, por exemplo, usam esses compostos.”

A Novavax usa uma fórmula ligeiramente diferente que permite que você não precise extrair o composto puro. “Isso torna mais fácil para eles obter maior quantidade desse adjuvante”, diz San Martín.

Ele tem grandes esperanças em relação à vacina da Novavax, para a qual, ele garante, a quilaia é “chave”. “Sem ela, não haveria vacina”.

Outras vacinas que não têm adjuvante são feitas de ácido ribonucléico (RNA), como a vacina em desenvolvimento pelo laboratório britânico AstraZeneca. Mas elas precisam de refrigeração, o que pode ser um problema para sua distribuição global, diz San Martín.

Existem até cinco tipos diferentes de adjuvantes que podem ser usados ​​em vacinas humanas. O QS21 (e seus derivados) é considerado um adjuvante “moderno”.

“Existem muitos adjuvantes. A razão pela qual gostamos do que fazemos com a quilaia é porque é muito eficaz”, diz Glenn. “Isso nos deixa otimistas sobre nossa vacina contra a covid.”

Jaime Pérez Martín, da Associação Espanhola de Vacinologia (AEV) acredita que o fato de a vacina Novavax ter um adjuvante é positivo, especialmente por ser um momento de pandemia, “porque tem a vantagem de que a produção (do adjuvante) pode se acumular, facilitando a fabricação de muito mais vacinas.”

“O adjuvante da vacina Novavax é muito recente e pertence à família dos novos adjuvantes que tiveram um grande poder na reação do sistema imunológico”, acrescenta o médico.

“Os adjuvantes tradicionais eram principalmente à base de alumínio, mas os adjuvantes modernos tornaram a resposta imunológica tremendamente elevada, inclusive em pessoas bem mais velhas, o que é muito importante.”

Corrida contra o tempo
A Novavax espera iniciar em novembro a fase 3 nos Estados Unidos. “Se estabelecermos evidências de que a vacina está funcionando no Reino Unido, seria um avanço. Por enquanto, está indo muito bem. Veremos o resultado do ensaio clínico no início do primeiro trimestre de 2021”, diz Glenn.

Enquanto isso, os fornecedores das valiosas saponinas estão em uma corrida contra o tempo.

“Para uma primeira fase de vacinas, para poder atender à primeira demanda, estimo que sejam necessárias de 5 mil a 7 mil árvores”, diz San Martín.

“O problema é que para a vacina precisamos das saponinas da casca, que são mais concentradas. A solução atual é retirá-las da casca das árvores velhas, mas não são tantas.”

“Há duas opções possíveis: ou os compostos são sintetizados – já tem gente trabalhando nisso, mas leva tempo – ou são usados ​​arbustos mais jovens, nos quais já vemos uma boa quantidade de compostos”, explica o cientista.

“É uma corrida contra o tempo. Nos primeiros anos, a Novavax vai ter o fornecimento do Chile, não tenho dúvidas, mas devemos começar a pensar em outras opções. É preciso ter um fornecimento alternativo e selecionar aquelas árvores ou arbustos com grande quantidade de saponinas.”

“Depois de cloná-los, você pode replicá-los e plantá-los em áreas bem pequenas, em termos agrícolas. É nisso que estou trabalhando agora.”

San Martín diz que sua empresa já está experimentando plantá-las na Califórnia, onde parecem crescer bem.

‘Uso e abuso’
No entanto, nem todo mundo aprecia o interesse e os procedimentos das empresas farmacêuticas em relação à quilaia.

A líder mapuche Minerva Tegualda Castañeda Meliñán acredita que “eles não respeitaram a propriedade intelectual da sabedoria medicinal mapuche” e se opõe ao “uso e abuso do conhecimento medicinal ancestral do povo mapuche”.

“As empresas farmacêuticas patentearam e exploraram nossas ervas medicinais e nosso conhecimento ancestral”, diz à BBC Mundo em uma entrevista por telefone.

A quilaia, diz Tegualda, “é usado pelos mapuches por suas propriedades medicinais desde os tempos antigos, tanto de forma doméstica, para lavar o cabelo ou fazer sabonetes, quanto medicinalmente pelos machis (xamãs) e lawentuchefes (curandeiros)”.

“Eu acho que tem havido uma violação muito grande por parte das empresas farmacêuticas e alguns cientistas ao usar nosso conhecimento sem a devida proteção”.

“Nós, mapuches, temos certos protocolos em relação à natureza”, acrescenta Tegualda. “Antes de usar as plantas medicinais pedimos autorização da terra. Da mesma forma, a quilaia é uma árvore sagrada e não há somente falta respeito, mas há lucro por parte dos laboratórios”.

“Não me oponho a uma vacina com os princípios ativos da quilaia, porque é um bem maior e o coronavírus afeta a todos nós, mas deve haver certos protocolos de propriedade intelectual da medicina mapuche que as empresas farmacêuticas não cumpriram”, diz a líder.

San Martín acredita que os mapuches “nunca usaram a quilaia com propósito de imunologia” e defende que as empresas farmacêuticas aproveitem seus usos, uma dinâmica que parece que não vai acabar tão cedo.

“O certo é que a demanda pela quilaia não diminuirá, seja pela vacina contra a covid ou por outros motivos.”

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