O visionário
Alô alô marciano aqui quem fala é John Shepherd
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emJohn Shepherd é um gênio autodidata da eletrônica. Quando criança, um dos seus passatempos preferidos era recolher aparelhos de rádio e TV jogados fora e transformar em dispositivos novos.
E não demorou muito a usar suas habilidades para um objetivo incomum: fazer contato com extraterrestres.
Mas como você inicia uma conversa com alienígenas? John acreditava ter a resposta: “A música é uma linguagem universal…”, diz ele.
Em entrevista à jornalista Emily Webb, do programa de rádio Outlook, da BBC, ele conta como montou uma rádio dentro da casa dos avós e passou quase 30 anos transmitindo jazz, reggae e afrobeat para o espaço na tentativa de fazer contato com vidas extraterrestres.
A história dele é retratada no documentário da Netflix John à Procura de Aliens, dirigido por Matthew Killip.
Línea
John Shepherd foi criado pelos avós em um chalé à beira de um lago no norte do Estado americano de Michigan.
Mas ele não era uma criança que se interessava pelas brincadeiras infantis tradicionais — o que despertava sua curiosidade, desde pequeno, era a eletrônica.
“Essas coisas realmente me intrigavam, achava os conceitos de eletrônica e ciências irresistíveis”, diz ele.
Não foi à toa que, por meio de observações e experimentos caseiros, John acabou aprendendo por conta própria como a eletricidade funcionava — e não se esquece, por exemplo, do buraco no carpete da sala causado pelas faíscas do experimento que fez com o ferrorama que ganhou de Natal do avô.
Mas, aos poucos, suas invenções começaram a se tornar mais inspiradas e refinadas — e algumas pessoas chegaram a apelidá-lo de Thomas Edison moderno, em referência ao grande inventor americano.
Não demorou muito para ele canalizar seu conhecimento autodidata na busca de dados sobre possíveis vidas além do nosso planeta.
Corrida espacial
John cresceu na década de 1960, quando a corrida espacial estava a todo vapor e havia uma fascinação coletiva por alienígenas e Objetos Voadores Não-Identificados (Ovnis).
Em 1966, foram registrados diversos relatos de Ovnis na cidade de Ann Arbor, em Michigan, seu Estado natal. Moradores e policiais reportaram ter visto luzes no céu movendo-se em alta velocidade. A história virou notícia nacional.
Ao mesmo tempo, o cinema de Hollywood povoava o imaginário coletivo com filmes como 2001: Uma Odisseia no Espaço e Planeta dos Macacos.
Na televisão, séries de ficção científica, como The Twilight Zone e The Outer Limits, cumpriam o mesmo papel — e serviram de inspiração para John.
“The Outer Limits era uma série de televisão fascinante sobre ciência e o desconhecido. E acho que ativou totalmente meu pensamento de que existe algo maior lá fora.”
“Eu pensava: Uau! Talvez eu pudesse construir máquinas como essas, que seriam úteis na comunicação com algo lá fora”, recorda, fazendo referência aos equipamentos eletrônicos exibidos na série.
Rádio para alienígenas
Foi assim que John decidiu tentar se comunicar com alienígenas — e nasceu o Projeto S.T.R.A.T., sigla em inglês para Pesquisa e Monitoramento de Telemetria Especial, que durou quase 30 anos.
“Vamos ver se conseguimos algo aqui que possamos medir, quantificar e compartilhar com outros pesquisadores”, pensou ele, na época.
O ponto de partida foi construir um transmissor de alta voltagem para enviar sinais ao espaço — e um verdadeiro laboratório de equipamentos eletrônicos, muitos deles fabricados do zero pelo próprio John, dentro da casa dos avós.
“Tudo começou no meu quarto e, em mais ou menos dois anos, o quarto estava cheio. Ainda havia espaço para a cama, mas todas as paredes estavam tomadas, do chão ao teto, com estantes enormes cheias de equipamentos eletrônicos”, relembra.
“Comecei então a migrar para a sala.”
Uma fotografia da época mostra os avós de John sentados nas poltronas da sala de casa cercados por equipamentos eletrônicos. E eles não só não se incomodavam, como incentivavam o neto.
O avô, por exemplo, ajudou John a instalar as prateleiras das estantes, enquanto a avó encorajava filosoficamente o propósito da sua busca.
“O apoio deles foi tremendo, foi muito bom. Eram pessoas maravilhosas.”
Quando o projeto tomou conta da casa toda, ficou evidente que ele precisava de mais espaço. A essa altura, o avô de John tinha falecido — mas sua avó não poupou esforços ao usar suas economias para ajudar o neto a construir um anexo de dois andares exclusivo para seu laboratório.
Linguagem universal
Em 1972, John começou sua transmissão enviando sons ou códigos binários para o espaço. Mas logo se deu conta de que havia uma forma mais criativa de se comunicar:
“A música é uma linguagem universal. E música é sentimento.”
“Música que tem alma, coração, sentimento… esse tipo de música me veio à cabeça como uma ótima maneira de tentar me comunicar com algo lá fora”, explica.
A programação diária da rádio incluía os mais variados gêneros do que John chama de música não-comercial — como jazz, reggae, afrobeat e música eletrônica.
“Este é o Projeto S.T.R.A.T, Terra, Estação 1, finalizando outra transmissão. Se algum ET está ouvindo, voltamos amanhã às 21h com mais músicas culturais. Eu sou John Shepherd”, dizia ele na rádio, conforme mostra o documentário.
Entre as mais tocadas, estavam pérolas do músico nigeriano Fela Kuti e do saxofonista de jazz americano John Coltrane, além de composições das bandas experimentais alemãs Harmonia e Cluster,
Mas John tinha um artista particularmente preferido, o americano Sun Ra, líder da Sun Ra Arkestra, que alegava ter sido teletransportado para o espaço na década de 1930.
“Sun Ra tinha uma orquestra cósmica, uma conexão cósmica”, diz ele.
Contato especial
O projeto tomou conta da vida de John. Ele se dedicava quase que exclusivamente — e praticamente sempre sozinho — à sua busca por vidas alienígenas.
A música pode não ter propiciado o contato extraterrestre — mas foi o alicerce para outro encontro, talvez ainda mais especial.
Em 1993, ele conheceu John Litrenta, seu atual marido, em um bar perto de casa. E os dois logo perceberam uma afinidade em comum:
“Começamos a discutir sobre música, foi aí que tudo começou. Ornette Coleman, Charlie Parker, Bill Evans… Era como se, de repente, estivéssemos falando sobre a mesma coisa, e nós dois tínhamos um amplo conhecimento de música naquela época.”
“Não foi tanto a atração física, que existia, claro, mas foi a música, a comunhão de mentes, que realmente fez as coisas acontecerem”, avalia.
O casal não só começou um relacionamento, como passou a fazer as transmissões de rádio para o espaço em parceria.
“Foi o máximo! Depois de um tempo, nós não fazíamos mais tantos setlists ou playlists, deixávamos fluir.”
Com isso, a programação diária da rádio, que inicialmente era de duas horas, passou a ter de seis a oito horas.
“Foi uma experiência gratificante, porque estávamos ambos compartilhando nosso amor pela música e fazendo algo que tinha um propósito com aquela música, além de apenas tocar e ouvir. Então foi mágico, uma coisa maravilhosa, simplesmente fluiu muito bem.”
Mas, por falta de recursos, John teve que tirar o projeto do ar no outono de 1998, após quase 30 anos de transmissões para o espaço.
“Não encontrei muitos dados sólidos e que sejam de grande importância em questão de ufologia”, admite no documentário.
“Mas quanto a inspiração e ideias criativas, tive a chance de fazer tudo isso e compartilhar os resultados com outras pessoas. E isso preencheu minha vida. Me deu algo. Um significado.”
John mora atualmente com o marido em Michigan e está construindo um pequeno estúdio de rádio em sua casa — quem sabe, ele não volta ao ar em breve?
“Sinto falta. Francamente, olho para trás e penso: Quero fazer isso de novo.”