Quem pagou o quê?
Doria e Bolsonaro querem paternidade da vacina
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emO começo da vacinação contra coronavírus no Brasil nesta semana deu início a um novo capítulo de acusações e politização entre o governo federal e o governo do Estado de São Paulo — com Jair Bolsonaro e João Doria, potenciais candidatos à Presidência em 2022, antecipando o clima de eleição.
No domingo (17), quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou dois imunizantes em caráter emergencial e o governo de São Paulo deu início à vacinação, o ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, e Doria trocaram acusações sobre o crédito da CoronaVac, desenvolvida por cientistas do Instituto Butantan com a empresa chinesa Sinovac.
“Você sabia que tudo que foi comprado pelo Butantan foi com recursos do SUS? Todas as vacinas, não foi com um centavo de São Paulo. Autorizado por mim. É difícil ficar ouvindo isso o tempo todo. Eu ouço calado o tempo todo a politização da vacina”, disse Pazuello, em entrevista coletiva realizada em Brasília.
Minutos depois, Doria se disse atônito com as declarações de Pazuello e discursou em São Paulo, durante o evento de vacinação: “Ministro Eduardo Pazuello. É inacreditável como um ministro de Estado da Saúde (…) ainda mente ao dizer isso. A vacina do Butantan só está em São Paulo e no Brasil porque foi investimento do governo do Estado de São Paulo. Não há um centavo, até agora, do governo federal, para a vacina — nem para o estudo, nem para a compra, nem para a pesquisa. Nada. Chega de mentiras, ministro.”
Quem pagou pela pesquisa?
Tanto a compra como a pesquisa das vacinas foi paga com dinheiro dos contribuintes brasileiros. Mesmo orçamentos estaduais recebem recursos redistribuídos da União para complementar suas arrecadações. No caso da pesquisa das vacinas, parte do investimento veio também de parceiros internacionais.
O que Doria e Pazuello reivindicam é a tomada de decisão de investir dinheiro no desenvolvimento e compra da vacina.
Nas suas entrevistas coletivas de domingo, as autoridades abordaram dois aspectos distintos sobre o financiamento das vacinas. Em primeiro lugar, de onde veio o dinheiro para financiar a pesquisa que levou à CoronaVac. Em segundo, existe a questão de quem vai comprar a vacina — recompensando o esforço pela criação do imunizante.
Sobre a primeira questão, a vacina foi desenvolvida com recursos da empresa chinesa Sinovac e do Instituto Butantan — cujo orçamento está ligado à Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo.
O governo federal investiu seus recursos para auxiliar nas fases de teste de outro imunizante, o da Oxford-AstraZeneca, por intermédio da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), vinculada ao Ministério da Saúde. A Fiocruz também será responsável por produzir a vacina de Oxford no Brasil.
No caso da CoronaVac, o governo federal pretende contribuir no futuro com a construção de um parque fabril do Butantan para ampliar a produção do imunizante.
Existe a perspectiva de um investimento de R$ 63,2 milhões a ser feito pelo Ministério da Saúde no Butantan. Um convênio foi assinado entre as duas partes e, em nota à BBC News Brasil, o ministério da Saúde falou que os recursos estão empenhados para “aquisição dos equipamentos para o centro de produção multipropósito de vacinas”.
Esse convênio, no entanto, foi assinado apenas no dia 24 de dezembro do ano passado, quando a CoronaVac já estava em estado avançado de desenvolvimento.
Na sua coletiva de domingo, o ministro Pazuello anunciou esse investimento como se ele já tivesse sido feito.
“Fomos nós que fizemos o desenvolvimento do parque fabril do Butantan para fazer a vacina. Fizemos um contrato de convênio de mais R$ 80 milhões. Isso em outubro. Você sabia disso? Pois é”, disse o ministro na entrevista coletiva.
Houve, de fato, reuniões entre o Ministério da Saúde e a Fundação Butantan no dia 20 de outubro para a negociação do convênio. E na época Pazuello chegou a anunciar o investimento. Pazuello também anunciou a intenção de comprar 46 milhões de doses da CoronaVac.
Mas o ministro foi desautorizado horas depois pelo presidente Jair Bolsonaro. A notícia sobre o anúncio foi retirada do site do governo.
Em seguida, o secretário-executivo de Saúde, Elcio Franco, convocou outra coletiva para ler uma nota de esclarecimento do Ministério da Saúde na qual tratava o investimento apenas como “intenção”.
“Houve uma interpretação equivocada de uma fala do ministro da Saúde”, diz o ministério.
“Não houve qualquer compromisso com o governo do Estado de São Paulo ou o seu governador no sentido de aquisição de vacinas contra covid-19. Tratou-se de um protocolo de intenção entre o Ministério da Saúde e o Instituto Butantan em caráter vinculante por se tratar de um grande parceiro do ministério da Saúde na produção de vacinas para o Programa Nacional de Imunização (PNI).”
O vídeo com essa nota de esclarecimento foi publicado por Jair Bolsonaro no Facebook, com o presidente destacando no título uma frase do pronunciamento: “não há intenção de comprar a vacina chinesa”.
Na nota, o governo Bolsonaro afirma que não compraria qualquer dose de vacina antes que essa tivesse sido aprovada pela Anvisa — no entanto o contrato de aquisição da CoronaVac aconteceu semanas antes da aprovação emergencial.
Quem pagou pela vacina?
Sobre a segunda questão, de quem comprou a vacina, o governo federal é o cliente das doses produzidas pelo Instituto Butantan, que serão incorporadas ao Programa Nacional de Imunização (PNI). Algumas doses já estão sendo distribuídas para os Estados.
No entanto, esse pagamento não foi feito ainda. Em resposta a questionamento da BBC News Brasil, o governo federal divulgou nota na segunda-feira afirmando que “o valor será pago quando a totalidade das 100 milhões de doses, bem a nota fiscal referente aos insumos, forem entregues ao Ministério da Saúde”.
Na sua fala de domingo, o governador João Doria fala que “não há um centavo, até agora, do governo federal, para a vacina — nem para o estudo, nem para a compra, nem para a pesquisa”.
A informação de que o governo federal ainda não pagou pelas vacinas coincide com o que disse o Ministério da Saúde em nota à BBC News Brasil. No entanto, o governador de São Paulo omitiu na sua declaração que o governo federal é cliente das doses produzidas pelo Instituto Butantan.
Fora do âmbito politizado do primeiro escalão, as entidades de pesquisa e desenvolvimento de vacinas mantém boas relações.
Na semana passada, a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, enviou uma carta ao Instituto Butantan parabenizando os pesquisadores pelo anúncio da eficácia da CoronaVac.
“Em um dia marcado pelo sentimento do luto diante da perda de vidas e das dificuldades no enfrentamento à pandemia, contar com a vacina do Instituto Butantan é um alento para sociedade brasileira”, diz a carta.
Além da CoronaVac, a Anvisa aprovou no domingo o uso emergencial do imunizante da Oxford-AstraZeneca que está sendo produzido pela Fiocruz. As duas vacinas são as grandes apostas das autoridades brasileiras para colocar fim à pandemia de coronavírus, que já infectou 8,5 milhões de brasileiros e matou 210 mil, segundo dados oficiais.