Todo mal um dia acaba
Ocaso de Trump já incomoda (e muito) Bolsonaro
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emO Senado dos Estados Unidos começou a decidir nesta terça, 9, o futuro do ex-presidente e ex-todo poderoso Donald Trump. Acusado de apoio à invasão ao Capitólio – sede do Legislativo norte-americano e um dos ícones do país – e de incitamento à insurreição, o magnata, após a fragorosa derrota eleitoral para Joe Biden, pode perder os direitos políticos e ficar inelegível. Para condenar Trump são necessários votos de dois terços dos 100 senadores, divididos igualitariamente entre democratas e republicanos. Portanto, para ser alijado definitivamente do processo político faltam 17 votos republicanos. Para analistas, o cenário é pouco provável, mas não impossível para os democratas.
E o que o Brasil, o governo, o Congresso e o povo brasileiro têm a ver com isso? Tudo. Por meses a fio fomos cópia fiel dos Estados Unidos. O que era bom para Trump e família era ótimo para Jair Bolsonaro, filhos e ministros despersonalizados. Chegamos ao limite da insensatez quando, com patético discurso unificado, o magnata e o capitão negaram a pandemia, que só no Brasil já infectou 9.524.640, gerando 232.534 óbitos. Também juntos não defenderam a obrigatoriedade da vacina e ainda afirmaram publicamente que não se vacinariam contra a gripezinha, reduzindo a crença de boa parte da população desmemoriada.
Para o bem do povo norte-americano, Trump foi defenestrado antes, mas Bolsonaro só mudou o tom negacionista após o governador de São Paulo, João Dória, receber e fazer sucesso nacionalmente com a CoronaVac, imunizante chinês renegado durante longo período pela ideologia bolsonarista. Nenhum deles deve ser culpado pela globalização do vírus. Entretanto, podem ser – e serão no futuro – responsabilizados pela amplitude da catástrofe. Infelizmente, Estados Unidos e Brasil lideram, com folga, o ranking de vítimas em todo mundo. Pior é o fato de a negativa da doença ter atingido a vacina ou sua procedência. O tempo perdido causou – e não para de causar – mais de mil mortes diárias.
A gigantesca crise econômica e sanitária não reduziu o ímpeto totalitário e personalizado do presidente da República, que mantém os ideais de não ser culpado de nada, de reeleição a qualquer custo e de pouco caso com a vida humana. Esses objetivos agora têm apoio do paquidérmico e voraz Centrão, grupo com o qual Bolsonaro fez acordos diabólicos, entre eles o de culpar a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pelo atraso na imunização do povo. Com apoio do Palácio do Planalto, o responsável por essa tarefa suja é o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR). Vice-líder do segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva e ministro da Saúde de Michel Temer, Barros tem feito de tudo para jogar no colo da Anvisa as dificuldades relativas à compra dos imunizantes.
O ocaso de Donald Trump certamente preocupa Bolsonaro e seu entorno. Embora mantenha a dianteira em qualquer pesquisa de intenção de votos, com cerca de 28% de apoio, os números do capitão no quesito “ruim ou péssimo” já chegaram a 42%, dois pontos percentuais a mais do que na última consulta, em janeiro passado. Quando o tema é pandemia, 53% avaliam a atuação do presidente como “ruim ou péssima”. Ou seja, o céu não é mais de brigadeiro, tampouco o mar de almirante ou a terra de generais. O Brasil de hoje é uma mistura que ninguém sabe no que vai dar. Além disso, os 28% de vantagem nas simulações são explicáveis.
Bolsonaro é o único com a campanha na rua desde sua posse, em 1º. de janeiro de 2019. A esquerda ainda está rachada, o centro não se apresentou e a direita com espírito democrático permanece com inscrições abertas. Em outras palavras, devemos esperar as movimentações de Fernando Haddad (PT), Ciro Gomes (PDT), Guilherme Boulos (Psol), Luciano Huck (sem partido), Sérgio Moro (sem partido), Henrique Mandetta (DEM) e João Dória (PSDB) para termos ideia de onde iremos ancorar o voto em 2022. Por enquanto, a única certeza é que o feitiço do negativismo presidencial virou contra o feiticeiro.
A economia nacional precisará dar uma guinada de centenas de graus para garantir ao presidente uma reeleição sem a necessidade de satanizar a urna eletrônica, alardear fraudes inexistentes, recorrer à pólvora, marchar ao lado do baixo clero das Forças Armadas, ameaçar as instituições e os denominados esquerdopatas e, na hipótese menos nociva para a sociedade, se entrincheirar no Planalto para não largar o osso. O exemplo de Donald Trump é a prova de que nada disso dá certo. Assim como os Republicanos, o Centrão conhece suas limitações quando sua oca credibilidade alcança os mais esclarecidos.
Ainda tomando Trump como modelo, Bolsonaro também experimenta simultânea oposição interna e inimizade feroz externamente, o que configura um caso atípico e digno de apurados estudos. Como explicar que nem mesmo os que se locupletam aceitem estilos ditatoriais e despóticos. A maioria faz o jogo porque é do interesse. Um dia a conta chega. A do Trump chegou bem antes do que ele imaginava. É a prova inconteste de que não há mal que dure para sempre.
*Mathuzalém Junior é jornalista profissional desde 1978