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Os despreparados

Sete vezes em que governo boicotou a vacina

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Autor/Imagem:
Caroline Oliveira - Brasil de Fato/Via Pátria Latina

Na quinta-feira (18), o Brasil completou um mês do início da campanha de imunização contra o novo coronavírus. Até a última segunda-feira (15), no entanto, apenas 1,31% das doses necessárias para imunizar toda a população brasileira foram aplicadas: 5,54 milhões de aproximadamente 420 milhões de doses necessárias, segundo consórcio dos veículos de imprensa.

No total, 5.285.981 pessoas tomaram a primeira dose, e 256.813, a segunda. Uma das explicações para a baixa taxa de imunização até o momento é a quantidade escassa de doses, que, por sua vez, é explicada pela ausência de um planejamento por parte do governo de Jair Bolsonaro e do Ministério da Saúde.

Segundo Evaldo Stanislau de Araújo, infectologista do Hospital das Clínicas da USP e membro da diretoria da Sociedade Paulista de Infectologia (SPI), “nós vamos conviver com essa situação que ninguém desejava, mas que reflete certamente o planejamento ausente que foi feito por parte do Ministério da Saúde em relação às vacinas”.

Para além da falta de planejamento, o comportamento do governo federal e de seus aliados no Congresso Nacional, desde o início da pandemia, foi caracterizado pelo aspecto negacionista em relação à imunização, concretizado tanto em declarações que lançaram dúvidas sobre a imunização quanto em polêmicas com laboratórios farmacêuticos, governadores brasileiros e órgãos independentes do governo.

Desde então, os fatos que contribuíram para a situação atual de escassez de doses se acumulam. Relembre alguns deles:

Congresso x Anvisa
O diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, solicitou ao presidente a exclusão de um trecho da Medida Provisória (MP) nº 1.003, que autoriza o governo federal a aderir ao Instrumento de Acesso Global de Vacinas Covid-19 – Covax Facility. O trecho em questão estabelece um prazo de cinco dias para que a Anvisa autorize o uso emergencial de vacinas que já tenham liberação internacional.

Com o texto aprovado no Congresso Nacional com o trecho incluído, não haverá outro caminho que não a aprovação, afirmou Barra Torres, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.

“Qualifico esse momento como o mais grave que estamos vivendo da saúde pública nacional nas últimas décadas. Se for dessa modalidade, sem análise técnica da Anvisa, eu não tomarei e não aconselharei ninguém a fazê-lo”, declarou.

“Se isso prosperar, a Anvisa passa a ter papel meramente cartorial, deixa de ter seu poder de análise. O texto acrescenta essa questão que seria automática (a aprovação), completamente isenta de análise”, disse o chefe da Anvisa ao Estadão.

O posicionamento do diretor da Anvisa foi criticado pelo do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), que ameaçou “enquadrar” o órgão. “O que eu apresentar para enquadrar a Anvisa passa aqui (na Câmara) feito um rojão. Eu vou tomar providências, vou agir contra a falta de percepção da Anvisa sobre o momento de emergência que nós vivemos. O problema não está na Saúde, está na Anvisa. Nós vamos enquadrar”, afirmou o deputado.

A tentativa de “enquadrar” a Anvisa faz parte de um movimento do governo federal de tentativas de não depender da Coronavac, associada ao governador paulista, João Doria. Nesse sentido, o Ministério da Saúde tenta avançar na compra das vacinas Sputnik V e da Covaxin, desenvolvidas, respectivamente, na Rússia e na Índia. No entanto, a Anvisa ainda aguarda mais dados sobre a segurança e a eficácia dos imunizantes.

Embates com a Pfizer
No dia 23 de janeiro, o governo federal divulgou uma nota criticando publicamente o laboratório farmacêutico Pfizer por cláusulas impostas para comercialização do imunizante.

Uma das medidas autorizava o governo brasileiro a assumir responsabilidade sobre possíveis efeitos adversos causados pelo imunizante – as cláusulas que Bolsonaro considera “abusivas” estão previstas em recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e se aplicam a imunizantes aplicados no Brasil há décadas.

Além dos EUA, a União Europeia, Japão, Canadá, Israel, Austrália, México, Equador, Chile, Costa Rica, Colômbia, Panamá e todos os demais países que compraram o imunizante aceitaram essas exigências.

“Causaria frustração em todos os brasileiros [comprar as 70 milhões de doses oferecidas pela Pfizer em agosto], pois teríamos (…) que escolher, num país continental com mais de 212 milhões de habitantes, quem seriam os eleitos a receberem a vacina”, argumentou o Ministério da Saúde, em janeiro.

Na época, Bolsonaro afirmou que “na Pfizer, está bem claro no contrato: ‘nós não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral’. Se você virar um jacaré, é problema de você. Não vou falar outro bicho aqui para não falar besteira. Se você virar o super-homem, se nascer barba em alguma mulher aí ou um homem começar a falar fino, eles não têm nada a ver com isso”.

O posicionamento foi recebido com indignação por setores da oposição. A deputada federal Gleisi Hoffmann, presidenta nacional do PT, afirmou: “Essa nota é pura confissão de culpa, perdemos 70 milhões de doses nessa brincadeira! Criminoso, Bolsonaro estaria no banco dos réus em qualquer lugar do mundo.”

Cancelamento do acordo da Coronavac
Em outubro de 2020, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, anunciou um acordo para a compra de 46 milhões de doses da Coronavac, produzida em parceria entre o laboratório chinês Sinovac e o Instituto Butantan.

No entanto, um dia depois, Bolsonaro afirmou que a “vacina chinesa de João Doria” não seria comprovada e cancelou o acordo. “Já mandei cancelar, o presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade”, disse Bolsonaro, nas redes sociais.

Na mesma semana, o presidente afirmou que não compraria nenhuma vacina da China, uma vez que o país teria um “descrédito muito grande”.

“A da China nós não compraremos, é decisão minha. Eu não acredito que ela transmita segurança suficiente para a população. A China, lamentavelmente, já existe um descrédito muito grande por parte da população, até porque, como muitos dizem, esse vírus teria nascido por lá”, disse o presidente.

“Mais uma de Jair Bolsonaro”
Em novembro do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro comemorou quando os testes da Coronavac no Brasil foram suspensos, após a morte de um dos voluntários. “Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar a todos os paulistanos a tomá-la. O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”, escreveu Bolsonaro nas redes sociais.

Dias depois, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária concluiu que a morte de um dos voluntários não tinha relação com a vacina.

“Ninguém vai tomar na marra não, tá ok?”
Na mesma linha, durante uma transmissão ao vivo em suas redes sociais, o presidente afirmou que ninguém tomaria a Coronavac “na marra”.

“Ninguém vai tomar a sua vacina na marra não, tá ok? Procura outro. E eu, que sou governo, o dinheiro não é meu, é do povo, não vai comprar a vacina também não, tá ok? Procura outro para pagar a tua vacina aí”, disse o capitão reformado.

“A pressa pela vacina não se justifica”
Já em dezembro de 2020, o presidente declarou que não entende o porquê da pressa pela vacina, seguindo os passos de seu ministro da Saúde, que disse não entender porque há tanta “ansiedade” pela imunização.

“A pressa pela vacina não se justifica, porque você mexe com a vida das pessoas”, disse. “Não há guerra, não há politização da minha parte. Nós esperamos uma vacina segura. Parece que a Inglaterra começou a vacinar agora. Por que a gente tem que ser o primeiro?”

Desencontro com Índia
Também em janeiro de 2021, o porta-voz do Ministério do Exterior indiano, Anurag Srivastava, afirmou ao jornal Hindustan Times que o governo brasileiro se precipitou ao enviar um avião à Índia para buscar 2 milhões de doses do imunizante produzido pelo Instituto Serum em parceria com a Universidade de Oxford e a farmacêutica AstraZeneca. O porta-voz também disse que era “cedo demais” para enviar a vacina ao Brasil

“O processo de vacinação está apenas no começo na Índia. É muito cedo para dar uma resposta específica sobre o fornecimento a outros países, porque ainda avaliamos os prazos de produção e de entrega. Isso pode levar tempo”, disse Anurag Srivastava. As vacinas chegaram ao Brasil somente 10 dias depois da declaração do porta-voz.

Na terça-feira (16), a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) divulgou uma nota na qual afirma que a escassez de doses de vacina está diretamente ligada à condução do Plano Nacional de Imunizações pelo governo federal. Também cobrou respostas do Poder Executivo diante da falta de vacina.

No dia 14 de janeiro, a FNP solicitou ao ministro da Saúde encontros frequentes para o acompanhamento da vacinação no país. Na reunião, o combinado foi de uma reunião entre a comissão de prefeitos e a pasta a cada 10 dias. Passados mais de 30 dias, no entanto, nenhuma reunião foi agendada.

“É urgente que o país tenha um cronograma com prazos e metas estipulados para a vacinação de cada grupo: por faixa etária, doentes crônicos, categorias de profissionais etc. Disso depende, inclusive, a retomada da economia, a geração de emprego e renda da população”, afirmam os prefeitos.

Na corrida da vacinação, segundo a plataforma Our Word In Data, o Brasil está atrás de Rússia, China, União Europeia, Chile, Estados Unidos, Reino Unido, Emirados Árabes e Israel.

O Ministério da Saúde informou que vai disponibilizar, até julho deste ano, 230 milhões de doses de vacinas contra o coronavírus. O planejamento conta com imunizantes ainda não autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), como o russo Sputnik V e o indiano Covaxin.

Em reunião com governadores nesta quarta-feira (17), o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, apresentou os contratos para compras de mais vacinas e detalhes sobre o cronograma de entrega e a quantidade adquirida.

Em nota, a pasta informou que os acordos de compra com os laboratórios responsáveis pela Sputnik V e a Covaxin devem ser fechados ainda nesta semana. No entanto, os processos para autorização dos imunizantes na Anvisa nem mesmo começaram.

A Bharat Biotech, empresa responsável pela Covaxin ainda não deu entrada no pedido de registro. Já a Sputnik V ainda não é considerada uma vacina em testes no Brasil pela Anvisa.

Ainda de acordo com o Ministério da Saúde, 2 milhões de doses da AstraZeneca/Fiocruz, importadas da Índia, e 9,3 milhões da Sinovac/Butantan, produzidas no Brasil serão entregues ainda este mês. No mês seguinte, estão previstas outras 34,9 milhões.

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