Clímax presidencial
Imprensa não se cala neste Brasil de Karol Conká
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emOs mais prazerosos modismos do presidente da República são xingar e destratar jornalistas e dizer que vai quebrar ou fechar determinada empresa de comunicação. É absurdo, mas lhe garante – e a seus apoiadores – orgasmos múltiplos. Voltando a um passado distante, três dos maiores e mais importantes títulos que o país já conheceu, viu e leu, o Correio da Manhã, Jornal do Brasil e Última Hora fecharam as portas e deixaram lacunas até hoje não preenchidas. De algum modo ligadas a famílias abastadas da época, eram organizações que, por períodos distintos, se associaram às ditaduras vigentes, mas, durante boa parte de suas existências, foram referências no combate às oligarquias e em defesa dos direitos do povo.
Honestos ou não, o posicionamento ferrenho contra ditadores levou os três periódicos à perda de ativos, de receita, espaço e leitores, culminando com o fechamento, arrendamento, tentativas de reabertura e encerramento definitivo de atividades antes mesmo que a bravura de seus profissionais pudesse ser conhecida e reconhecida por aqueles que hoje querem a morte da imprensa. Como sou do século passado, testemunhei – em muitos trabalhei – a consolidação e derrocada de vários matutinos e vespertinos do Rio de Janeiro. Além dos citados, lembro do fim de O Jornal, Diário de Notícias, A Notícia, Tribuna da Imprensa, Jornal do Commercio, Luta Democrática e Jornal dos Sports. A duras penas, restam O Globo, O Dia e O Fluminense.
Sem exceção, todos pediram a cabeça de um prefeito, governador, deputado, senador ou presidente da República. Acabar com veículos que, por razões diversas, fazem oposição ao que ou a quem o outro lado defende ou idolatra sem razão é uma pena ou, na melhor das hipóteses, a mais imbecil das querências. Uma nação sem imprensa livre, seja ela azul, marrom ou encarnada, jamais terá compreensão, voz, respeito e investimentos em qualquer dos mundos. Imagina isso em um planeta globalizado, no qual as notícias – boas ou ruins – batem à nossa porta em questão de segundos. Seria um tiro no pé, no coração e na alma do governante que propuser – ou executar – tal façanha. Com a mesma rapidez dos estilhaços espalhados, esse governante se transformaria em arremedo de líder.
Temos vários exemplos para citar. Por falta de espaço, citemos apenas Hugo Chaves e seu sucessor, Nicolás Maduro. Um está esquecido em um jazigo venezuelano. O outro é um morto-vivo. Ambos se perderam no tempo e sequer perceberam que imprensa que já serviu como meio de divulgação de mantras ditatoriais (no Brasil tivemos o milagre econômico e o país do futuro) é a mesma que anunciou a chegada do homem à lua, a morte de Tancredo Neves, a posse e o fracasso de José Sarney e a chegada triunfal do Plano Real. É a mesma imprensa que ajudou um obscuro Collor de Mello a se transformar em presidente – depois, para o bem da nação, o derrubou -, divulgou tentativas de roubalheira no orçamento da União, desmascarou a sorte do deputado baiano João Alves, desnudou o mensalão de Luiz Inácio, as pedaladas de Dilma Rousseff, o encontro noturno de Michel Temer com Joesley Batista e vem mostrando o despreparo de Jair Bolsonaro.
Por que o chefe do Executivo quer tanto calar o telejornal de maior audiência no Brasil? Presidente, deixá-lo (o telejornal) sem informação ou publicidade não o tornará menos visto. Pelo contrário. Lembre-se que a caneta que assina a paz é a mesma que sentencia a guerra. O senhor correrá o risco de a maioria dos telespectadores achar que é chegada a hora de a caneta mudar de mãos. A imprensa pode ser canalha, antagônica, unilateral e mordaz, mas não fosse esse telejornal (e os demais) até hoje não saberíamos que o Brasil é pentacampeão mundial de futebol, que o Flamengo é heptacampeão brasileiro e que o Vasco da Gama é tetra em rebaixamentos. O silêncio dos jornalistas é sinônimo de cegueira do povo. Faz tempo que, acompanhado do rebanho, Jair Bolsonaro tenta apagar escritos e calar vozes. Ficará na tentativa, uma vez que, se comparado a outros que também tentaram, seu cacife é quase zero.
A diferença entre ele e seus antecessores chega a ser grotesca. No passado, boa parte dos ditadores tinha apelo e apoio popular, além de respaldo de políticos de peso. Não se apegavam apenas a grupelhos ideológicos, religiosos e sem fundamentação. Lembrando de Samuel Wainer, Assis Chateuabriand e Roberto Marinho, entre outros empresários do setor, a imprensa que afaga é a mesma que apedreja. Por isso, Bolsonaro e bolsonaristas, não se iludam com os “mecenas” de hoje: bispo Edir Macedo, Silvio Santos, Carlos Massa (Ratinho) e José Luiz Datena. Representantes do Centrão do jornalismo e em razão da fonte que jorra alto, eles deixaram de fazer jornalismo e passaram a ser aduladores. É uma posição antiética e imoral, mas não criminosa. Quando secar, certamente voltarão a fazer oposição. Não tenha dúvida disso. Viveremos para ver.
Acima da ganância financeira, a principal diferença de ontem para hoje era o poder. Roberto Marinho e família sintetizaram essa máxima por décadas. Só uma pessoa de poucos neurônios pode imaginar uma cidade, um estado ou um país sem informações. Impossível governar sem ser elogiado pelos bons feitos ou responsabilizado pelas mazelas. É da vida, é do jogo político. De que adianta ter mansão em Paris, iate ancorado em Mônaco, relacionamento afetivo com Brigite Bardot, Roberto Carlos para show particular e dar aulas de boas maneiras a Neymar Junior se não puder contar para ninguém? Falar em acabar com jornais, revistas, rádios e televisões é o mesmo que dar voz ao surdo-mudo. Ele pode não ouvir ou falar, mas, por meio de outros dons, conseguirá mostrar a Deus e ao mundo que o antagonista mente ou não tem propostas capazes de mostrá-lo como governante correto de um país sério.
Quando um presidente da República desce do trono para bater boca com a opinião pública adversária acaba gerando dor, miséria e até encurtamento da vida. Brigar por nada e para nada não leva a nada. Acaba maluquete como a Karol Conká no reality Big Brother. Melhor seria que o mandatário em questão deixasse de se preocupar com o metafórico dos outros. O ideal é que cuidasse só do dele e começasse a governar. O Brasil precisa disso. A imprensa não tem gênero, credo, cor, coração ou ideologia. Portanto, em lugar de intervir em estatais, demitir quem o incomoda, se apegar a contrários e pagar quem o bajula, pense na totalidade do país, arregace as mangas e mão na massa. Caso contrário, é grande o risco de, como Karol Conká, surtar antes do paredão de 2022, perder as alianças, ficar sozinho no jogo, ser eliminado com um grande índice de rejeição e ser obrigado a tentar novos caminhos em A Fazenda.
*Mathuzalém Junior é jornalista profissional desde 1978