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País das rachadinhas

Pazuello vai embora e deixa povo sem Dia D

Publicado

Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo*

A semana política do Brasil começa exatamente como a anterior se encerrou. Como? Com o cachorro correndo atrás do próprio rabo. Fora a novidades das rachadinhas familiares, o governo reúne a cúpula, discute, pensa, repensa, mas não consegue solução para a série e dramática crise sanitária que ele não criou, mas sabidamente a negou desde o início. Pior do que isso, a ignorou quando cresceu de volume e fomentou sua disseminação com seguidos estímulos à aglomeração e ao abandono da máscara facial, formas mais conhecidas e recomendadas por cientistas e infectologistas de todos os cantos do mundo para controle eficaz da Covid-19. Além disso, nunca escondeu as críticas à vacina. Um dos ícones do combate à pandemia, o general Eduardo Pazuello está de saída do Ministério da Saúde.

Escolhido como estrategista de ponta, Pazuello sairá como entrou: sem cumprir a missão de salvar vidas e sem a estrela prometida. Como outros militares de igual patente, recebeu do capitão pedras com as mesmas mãos que um dia o afagaram. Do céu ao inferno em pouco mais de dez meses, o ministro volta à caserna sem dar conta da primeira promessa de subordinado: vacinar o povo brasileiro no dia D, mais precisamente na hora H. Só faltou confirmar o ano do início da vacinação em massa da população desesperançosa. A logística sem lógica do general bateu de frente com a imprecisão do restante do governo, notadamente com a do presidente da República, que, aparentemente, não sabe e não quer saber quando a vacina estará à disposição dos saturados hospitais e postos de saúde.

A vacina foi justamente a segunda promessa de Pazuello. Anunciou a compra de uma carrada do imunizante chinês CoronaVac, mas foi desautorizado, pública e humilhantemente, antes mesmo da assinatura do convênio com o laboratório Sinovac. Quem o desautorizou e agora o demitiu pretendia – e pretende – ter o monopólio da verdade. Por isso, os que não desconfiam é porque o apoiam fanática e despudoramente. Prova disso ocorreu nesse domingo (14), quando centenas de “patriotas” fecharam ruas, avenidas e até entradas de hospitais em protesto patético contra os governadores que, na contramão do governo federal e em clara manifestação pela vida, decidiram fechar o que não é essencial. O Palácio do Planalto deve ter comemorado o belo gesto de patriotismo e de solidariedade aos 11.483.370 infectados e às famílias dos 278.327 mortos.

Cômica não fosse trágica, a brincadeirinha de sair às ruas com carros embandeirados nesses dias críticos choca até comunistas “comedores” de criancinhas. É uma iniciativa típica de um governo que exige para si a primazia de coveiro. A inércia, insensibilidade e a tranquilidade com o óbito alheio vêm garantindo ao Brasil a consolidada segunda posição mundial no quantitativo de pessoas que viraram números. Reitero o direito da família Bolsonaro de não usar máscara, adorar aglomerações e abominar a imunização. Entretanto, não custa relembrar que, em qualquer país sério e preocupado com o bem estar geral, é dever do administrador principal zelar pela saúde do povo, independente de cores partidárias ou simpatias ideológicas.

É pensar covardemente quando se usa deliberadamente uma campanha sanitária como picuinha eleitoral. Com ou sem Luiz Inácio no cenário novo, parece inevitável que fiquemos com o desonroso título de última nação do continente a alcançar o dia D. Como já disse aqui neste mesmo espaço, a bola pune o mal jogador, assim como o mundo e especialistas em vidas humanas não perdoam erros. Quase ex-ministro, Pazuello deixará a pasta da Saúde e a maioria de nós – os querem a vacina – continuamos cada vez mais distantes do dia D, da hora H, do mês M, do semestre S e do ano A. Cotada para substituí-lo, a cardiologista Ludhmila Hajjar não deverá aceitar o cargo por duas simplórias razões: é crítica de posturas defendidas e difundidas pela Presidência da República e não aceita as crenças bolsonaristas. Portanto, não aceitará pedidos ou ordens lunáticas.

De volta à ativa e com as relevantes e merecidas insígnias de general, talvez Eduardo Pazuello não precise mais ser tão subserviente ao presidente de patente inferior, embora chefe supremo das Forças Armadas. A partir de agora, certamente o militar marchará junto aos generais que não se curvaram às determinações estapafúrdias e dirá, em ordem unida ou não, que cara feia, desmandos, gritos, xingamentos e intimidações não transformam ninguém em dono do mundo, muito menos ameaçam a democracia. Imperfeitos na essência, devemos ter consciência de que os que se dizem e pregam como santo eventualmente fazem tanto ou pior do que aqueles aos quais acusam de demônio. Além do triplex e do sítio, o povo, mesmo o que não quer saber, tem o direito de ser bem informado sobre rachadinhas em família.

*Wenceslau Araújo é jornalista

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