Pandemia das fake news
CPI e New York Times expõem gafes do governo
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emAcordo todos os dias disposto a escrever amenidades, detalhar a programação profissional e, sobretudo, contar sobre a labuta pessoal, incluindo as duas lives diárias e obrigatórias. Tento lutar contra o instinto jornalístico, principalmente contra a necessidade de informar diariamente a respeito das dificuldades de ser imbecilizado com facilidade. Infelizmente, sou vencido pelas fakes news, às vezes pelos fatos e normalmente pela absoluta ausência desses. Não conheço – e sentiria imenso desprazer se conhecesse – a autoria do falseamento grosseiro da capa de uma recente edição do New York Times em louvor ao presidente da República. Para o autor da fanfarra, o “Brasil quer Bolsonaro para sempre”. Além de equivocada e mentirosa, a frase é determinante para aqueles que já começaram a sofrer por antecipação a iminente volta do país aos trilhos.
Infantil e destruidora para a imagem externa do Brasil, a horrenda fake, publicada com erros crassos de grafia, deveria ter sido combinada com os russos. Talvez com os chineses. Com militantes muito mais inteligentes e aguerridos do que os nossos, esses dois povos poderiam nos ensinar que é preciso sabedoria para a lavagem cerebral e até para o uso da força e da violência contra o semelhante. Não houve manifestação pública, mas difícil acreditar que autoridades norte-americanas e brasileiros que vivem e trabalham nos Estados Unidos não tenham avaliado a destrambelhada tentativa de catapultar o líder do patriotismo festivo como mais uma galhofa tupiniquim. Provavelmente não foram informados a tempo de evitar o besteirol digno dos almanaques digitalizados e distribuídos a rodo antes, durante e depois da última campanha presidencial.
Certos de que muitos acreditariam na trapalhada, os autores – imagino que a ideia foi de um gabinete – não aproveitaram sequer o benefício da checagem. Desde o descobrimento, em 1500, nunca na história desse país um presidente brasileiro mereceu chamada de capa, com foto em seis colunas, em qualquer jornal da terra do Tio Sam. No máximo, notícia de rodapé, mesmo assim quando o mandatário era prestigiado e produzia fatos de relevância internacional. Se nos dermos ao trabalho de recorrer ao Google, perceberemos que as manchetes do próprio NYT sobre nós não são alvissareiras. Na verdade, são embaraçosas. As mais eloquentes, publicadas dias 26 de agosto e 09 de setembro de 2019, estampam adjetivos que, em respeito a importância do cargo, valem ser vistos, mas não copiados.
Tudo isso veio à tona justamente no dia em que o governo federal gerou três outras fakes que acabaram virando fatos na CPI da Covid. A primeira foi o general Pazuello passar assumir o temor ao vírus. A segunda, um ministro de Estado repetir para um senador governista uma pergunta enviada e apagada para o principal depoente do dia. A terceira mostrou o desacerto entre comando e comandados. Durante toda a oitiva do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, os parlamentares da base, municiados pelo Palácio do Planalto, defenderam ou tentaram colocar na boca de Mandetta o desprezo à ciência, consequentemente o endosso ao uso da cloroquina no milagroso combate à Covid-19 e a desnecessidade da vacina. Claro que não conseguiram, mas, voluntária ou involuntariamente, ajudaram a encontrar as peças que faltavam para montagem do quebra-cabeças pandêmico.
A tristeza pela prematura morte do ator e comediante Paulo Gustavo não impediu “foguetórios” da oposição. A tropa de choque governista garantiu um paiol de munição ao relator, Renan Calheiros (MDB-AL), cujo relatório deverá explorar exatamente o negacionismo do vírus, eventuais sabotagens oficiais no início da pandemia e campanhas veladas ou públicas em defesa da aplicação desenfreada da tubaína como medicamento de salvação. Pior do que a informação do “gabinete paralelo” da saúde, foi a constatação de que algum “assessor” planejava uma minuta de decreto para incluir na bula da cloroquina indicações contra o coronavírus. É algo digno das propagandas, curiosidades e anedotas do Almanaque Capivarol. Por tudo isso, preferi encurtar o texto, aproveitar a expressão da alegria brasileira, agora manifestada no céu por Paulo Gustavo, e me preparar para a live louça matinal e a live banheiro vespertina.