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Resiliência do povo em alta

Capitão tem aula sobre golpe e conservadorismo

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Junior*

Como diz o velho e inesquecível ditado, nada como um dia atrás do outro. Melhor ainda é a noite no meio que nos permite refletir sobre as besteiras que produzimos sem imaginar que o amanhã a Deus pertence. Diziam que o governo Lula transformaria o país em uma velha e empobrecida Venezuela. Nada mudou no Brasil. Dilma Rousseff venceu outras duas eleições e foi atropelada sem socorro por Michel Temer. Terra Brasilis continuou claudicante, mas sereno, impávido e incluído na lista das maiores nações do mundo globalizado. Eleito para acabar com o que havia de “ruim”, o atual governo, no entanto, não está tão distante de Israel e da Palestina. Ideológico e fratricida, o conflito entre judeus e o Hamas, grupo que controla a Faixa de Gaza, se arrasta por décadas, misturando política e religião. Tudo a ver com o Brasil de hoje. A única diferença é a proporção. Poderemos sofrer mal maior caso não nos cuidemos.

Lá, a disputa acaba sendo por um punhado de casas. Por aqui, a luta é mais profunda. É a perpetuidade no poder. Arrogância, intolerância, autoritarismo, negacionismo e divisionismo não são adjetivos grudados apenas no presidente Jair Messias. A falta de humildade e a repulsa em reconhecer erros, equívocos e desacertos próprios é proporcional à dificuldade em admitir qualidades em eventuais e supostos adversários. Os adjetivos negativos parecem brotar na alma e no coração de qualquer bolsonarista. Alguns mais esclarecidos tentam se limitar a defender o indefensável. No entanto, a maioria esmagadora encasquetou com o tal do mito e repete o que ouve ou recebe sem ter noção alguma do que está lendo ou ouvindo. Por exemplo, será que todos os bolsominions alcançam o significado e a letalidade das novas variantes do vírus que transmite a Covid-19? Certamente que não.

Boa parte associa essas variantes a um utilitário produzido no Brasil pela Volkswagen nos anos 70 e 80, mas as temem porque, como o veículo, elas correm mais do que as palavras. O país de nossos dias lembra o que depositamos em fossas sépticas. Por isso, quanto mais se mexe mais fedido fica. Obviamente que a intenção não é menosprezar os menos aculturados. Entretanto, não posso deixar de ilustrar a forma como essa multidão virou massa de manobra. São centenas de milhares de pessoas “conduzidas” pela expertise da turma que lidera a disseminação do ódio e a intenção totalitária, por meio de um golpe que eles sabem nunca virá. A ordem é minar e desqualificar o que está posto e é indissolúvel, como a credibilidade nas instituições, a força da ciência e a fé dos homens de bem.

Com medo da derrota, da prisão e da execração pública, esses “condutores” costumam se esconder nas redes sociais, em lives limitadas a apoiadores e nos zaps apócrifos. Ou seja, espalham mentiras embrulhadas nas chamadas fake news, acreditando que nunca serão pegos pela verdade divina. Desacreditado pela comunidade internacional, isoIado pelos países mais ricos do mundo e ignorado pelos mais pobres, o Brasil desse início de década não decola. Parece um Boeing enferrujado, sem combustível e, principalmente, com instrumentos ultrapassados e com piloto e copiloto cegos. A gripezinha de março de 2020 já atingiu 16,3 milhões de brasileiros, transformando em números 456,6 mil desses cidadãos. Apesar de politizada até o perispírito do menos votado dos prefeitos de quadras, a pandemia não é fantasia, tampouco entretenimento.

Ela é real, mas, infelizmente, ainda não há vacina para todos. Os jovens correm sério risco de serem imunizados quando os mais velhos tiverem virado jacarés. O resultado do conjunto da obra é justamente o que o presidente prometeu e não conseguiu combater. Desde o início do governo, o país contabiliza 14,8 milhões de desempregados e cerca de 28 milhões de nativos vivendo abaixo da linha da pobreza. Afirmar que críticos torcem para que determinado governo e o país deem errado é uma falácia. Nenhum patriota é contra sua pátria. Pelo menos não deveria. Independentemente da coloração partidária, sou a favor da seriedade administrativa e da política civilizada. Apostar no caos e elencar somente malfeitos de adversários como argumentos de campanha ou de preleções vazias não é salutar e normalmente tem efeito bumerangue: vai e volta.

Esta semana, Bolsonaro participou da posse do colega equatoriano Guillermo Lasso Mendoza, banqueiro conservador, mas que surpreendeu com um discurso de preocupação com questões sociais, incluindo a redistribuição de rendas e a igualdade de direitos. Mendoza derrotou dez anos de governos de esquerda. Nem por isso se acha no direito de pregar a desunião. Pelo contrário. Ao lado do presidente brasileiro, Lasso apelou à reconciliação nacional, deixando claro que não foi eleito para saciar o ódio de poucos, mas sim a fome de muitos. Prometeu vacinar 9 milhões de equatorianos em 100 dias, volume equivalente a 53% da população. O país registra cerca de 420 mil casos da doença e pouco mais de 20 mil mortes. Proporcionalmente, a situação deles é bem mais confortável do que a nossa. Tendências à parte, escolheram um presidente preocupado em salvar vidas. Improvável, mas tomara que o discurso de lá tenha eco por aqui. Ficou claro que conservadorismo não deve ser sinônimo de golpismo.

Os verdadeiros líderes sabem que não existe democracia sem participação popular. Sabem também que não há possibilidade de golpe se não houver intervenção do povo. Portanto, melhor do que conjecturar nos porões é governar para todos. Somos doentes terminais e corremos o risco de ver o país transformado em “cemitério” de jovens sem formação e sem educação. Além de vacinas, faltam recursos para educação básica e para universidades. A consequência é óbvia: em poucos anos faltarão mestres, doutores e pesquisadores. Sobrarão brasileiros desencorajados, infelizes e sem mercado de trabalho. E lembrar que já fomos cantados em prosa e verso como país do futuro e do milagre econômico. A julgar pelo que vivemos, estamos longe até do presente. Para nossa sorte, a resiliência do povo está cada vez mais aflorada.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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