Amigo é pra essas coisas
‘Ninguém respeita a Constituição, mas acreditam no futuro da Nação’
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emAmigo de primeira hora é como o primeiro beijo ou o primeiro sutiã de menina-moça. É difícil esquecer. É assim no Brasil, onde, como ficou gravado na voz eterna de Renato Russo, Ninguém respeita a constituição, mas todos acreditam no futuro da Nação.
A letra de Que País é Esse continua atual, porque perdura no Brasil a velha sensação de impunidade e da falta de regras. A corrupção se espalha nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Esse desregramento pôde ser visto na terça, 29, em Brasília, quando o Superior Tribunal de Justiça, em decisão inédita e, aos olhos de muita gente, atabalhoada, colocou em risco a segurança jurídica do registro de marcas, ao permitir que os músicos Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá usem o nome Legião Urbana, mesmo sem autorização de Giuliano Manfredini, filho do fundador da banda, o cantor e compositor Renato Russo, morto em 1996.
A decisão do STJ foi apertada – 3 a 2, favorável aos ex-parceiros de Renato. Nos shows que promoverem por aí, Dado e Marcelo não precisarão dar satisfações ao verdadeiro dono da Legião Urbana, Giuliano, herdeiro legítimo de Renato Russo.
Para Giuliano Manfredini, que avalia a possibilidade de recorrer da decisão ao Supremo Tribunal Federal, a manifestação do STJ abre perigoso precedente em relação à proteção da propriedade industrial “amplamente adotada nas democracias contemporâneas e consagrada na Constituição Federal”.
A Legião Urbana Produções Artísticas, diz Giuliano, “atua sempre pautada no respeito às leis, em todos os quesitos que permeiam suas atividades, cujo objetivo central é preservar, divulgar e proteger o legado deixado por Renato Russo. Em respeito ao ordenamento jurídico e às verdades factuais, a empresa estudará possibilidades recursais às instâncias cabíveis”, afirma.
O que aconteceu na votação da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça mereceu diferentes interpretações. Muita gente entendeu que o Sinal Fechado de Paulinho da Viola ficou verde para abraços entre amigos, que são pra essas coisas, como diria Chico Buarque.
Pessoas próximas a Giuliano Manfredini não definem a decisão do STJ como uma derrota do filho de Renato Russo. Entendem, sim, que José Eduardo Cardozo, advogado de Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, venceu uma batalha em meio à guerra que continua sendo travada.
Cinco ministros votaram na decisão que beneficiou os ex-parceiros de Renato Russo. O advogado Cardozo, que tem larga experiência (afinal, foi ministro da Justiça e Advogado Geral da União nos governo e meio de Dilma Rousseff) recebeu tapinhas nas costas após conhecido o resultado.
No STJ, votaram em defesa da regra ditada pela Constituição os ministros Isabel Gallotti (relatora do processo) e Luis Felipe Salomão. Mas os dois foram votos vencidos por Marco Aurélio Buzzi, Antônio Carlos Ferreira e Raul Araújo.
Os cinco têm apenas uma coisa em comum – foram nomeados para os cargos nos governos de Lula e Dilma. A diferença é que os dois primeiros sabem o que é uma Roda Vida, e lamentam os que se sentem, em alguns dias, como quem partiu ou morreu, estancando de repente, sem notar que o mundo cresceu.
Ou, parafraseando Renato Russo, sujeira pra todo lado, ninguém respeita a Constituição mas todos acreditam no futuro da nação. Que país é esse?