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Proposta perneta

Pedaladas na Papuda podem render ‘saidão’ permanente

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo

De acordo com os versos de Patativa do Assaré, Deus quando criou o mundo fez tudo com primazia, formando o céu e a terra cobertos com fantasia. Já naquela conhecida historinha popular que narra a criação do Brasil, Deus nos poupou de vulcões, terremotos, maremotos e de terroristas profissionais. Entretanto, como compensação nos deu uma turma de políticos realmente fora da curva, alguns com atuações dignas de folhetins policiais. Infelizmente, as exceções são tão poucas que não ultrapassam os dedos das mãos de qualquer ser humano. Com 27 estados e um Distrito Federal, lamentavelmente a maioria desse grupo está radicada, vive ou passa por Brasília de forma contumaz. Para continuar o texto, é necessária uma rápida volta a um passado bem recente.

Patrimônio mundial da Unesco, Brasília tem a maior área tombada do mundo, com 112,5 quilômetros quadrados. Com um conjunto arquitetônico e urbanístico de fazer inveja a qualquer arquiteto, a capital da República, com apenas 61 anos de existência, conta com uma população oficial superior a 3 milhões (incluindo todo o Distrito Federal), sendo a terceira cidade mais populosa do país, a quinta em concentração urbana e a maior do mundo com registro de construção no século 20. Fruto do sonho de Dom Bosco, da vontade de Juscelino Kubitschek e das pranchetas de Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e Joaquim Cardozo, a cidade tem estatuto único no Brasil, semelhante aos de Washington DC, no Estados Unidos, e Camberra, na Austrália, nasceu como “meta-síntese” de JK e foi estabelecida em 1955, durante um comício do então candidato à Presidência na cidade goiana de Jataí.

Coincidências à parte, a capital foi inaugurada no mesmo dia e mês em que ocorreram a execução de Joaquim José da Silva Xavier, líder da Inconfidência Mineira, e da fundação de Roma. Muita gente desconhece, mas Brasília não é um município nem um estado. É somente uma das 31 regiões administrativas do Distrito Federal. Para quem é de fora, Brasília e DF são a mesma coisa. Não é verdade, mas esse não é o mote do texto. Com todos esses predicados, desde a autonomia política, em 1986, e a Constituição de 1988, temos entre nós uma série de mastodontes. Uma bancada completa no Congresso Nacional é um deles. O outro – talvez o principal – é a Câmara Legislativa do DF e seus 24 parlamentares, que parecem sempre assoberbados. Digo sempre pois normalmente falta-lhes tempo para estudar, sugerir e aprovar projetos sérios e de real interesse do contribuinte. Não sou, nunca fui e jamais serei simpatizante desse elefante branco, cujos membros são craques em propor mudanças de nomes de logradouros públicos, homenagens, doação escancarada de medalhas e autobenefícios vitalícios.

Há alguns acertos, entre eles uma inédita proposição prevendo auxílio para cuidadores e pacientes com Alzheimer. Gostaria de estar errado, mas duvido que, ao longo desse tempo, os nobres deputados tenham alcançado uma dúzia de projetos verdadeiramente em favor da sociedade candanga. Aprovada em sessão dessa quarta-feira (30), a última pérola produzida por suas excelências não é de todo ruim, mas, na prática, é um marco ao estímulo dos bandidos ociosos e saradões. Trata-se de um projeto de incentivo à geração de energia nas unidades do sistema penitenciário do DF, com a utilização dos detentos. O objetivo é que os próprios presidiários produzam energia elétrica, por meio do uso de bicicletas estacionárias e armazenamento em baterias, de modo a iluminar os presídios e colaborar na redução da pena. O texto estabelece que a cada 16 horas pedaladas o preso terá um dia de redução de pena. É justamente esse o x da questão.

Não li nada sobre a possibilidade de filtros na proposta, do tipo limitar as pedaladas àqueles com penas a vencer, de boa conduta, com capacidade de ressocialização e cujos crimes não sejam considerados hediondos. Em outras palavras, é preciso deixar a excitação de lado e separar o joio do trigo. Em qualquer parlamento do mundo, aprovar projetos sem ler não é de bom alvitre. Ou seja, dependendo da sanção do governador Ibaneis Rocha, em breve poderemos ter dezenas ou centenas de Lázaros Barbosa nas ruas da capital da República. Basta que eles usem o ócio da prisão em benefício próprio e pedalem dia e noite até a liberdade. Perdoem-me os deputados que ratificaram o projeto, mas é insuficiente o argumento de que a ideia já é aplicada em vários municípios brasileiros, entre eles Sete Lagoas (MG), onde, segundo o autor, deputado Martins Machado, é gerada economia de até 5% na conta de luz do presídio local. Como justificativa, Sete Lagoas não pode ser comparado ao DF.

É bom deixar claro que não estou me manifestando contra os presos. O Estado já cuida deles. Todavia, é preciso defender os que querem ser livres, os honestos, os dentro da lei. A prisão é uma opção. Vai quem quer. Quanto aos que estão soltos, há muitos sem emprego, sem lar, com frio, fome e sede. Por que não pensamos prioritariamente neles? Por que os abandonamos? Por que não trabalhamos para evitar que eles também sejam presos? São tantos os porquês. E eles nunca têm respostas. Sobre o projeto, cabe mais uma pergunta. Se é tão relevante, por que a União, responsável pelos presídios federais, e os estados nunca pensaram nisso? Os presos têm de trabalhar, principalmente para justificar o alto “investimento” em sua “estadia” prisional e em sua “ressocialização”. Inaceitável é, sem conhecer o detento, sugerir sua liberdade antes que ele pague pelos crimes cometidos deliberadamente.

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