Entrevista/Bartolomeu Rodrigues
‘Cultura em Brasília é como usina em pleno vapor’
Publicado
emO primeiro semestre de 2021 foi de canteiros de obras para a Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec) do Distrito Federal. Além da entrega do Museu de Arte de Brasília, 10 equipamentos receberam manutenção e reformas. A Concha Acústica e o Conjunto Fazendinha, historicamente abandonados, estão em plena fase de recuperação. A Secec também fez o maior edital do FAC de sua história, com campanha para adesão de agentes que nunca foram contemplados.
No intervalo da reunião de balanço realizada essa semana, com subsecretários e chefes de assessorias da secretaria, o secretário de Cultura Bartolomeu Rodrigues, ou Bartô, como é conhecido por parentes, amigos e parceiros de trabalho, passeou pelas principais atividades da Secec neste primeiro semestre de 2021.
Na entrevista a seguir ele fala do quadro cultural na capital da República. E enfatiza que “a sensação é de estar diante de uma usina em pleno vapor. Sonhei com essa possibilidade de muitas frentes de trabalho para a cultura. Isso só é possível porque temos, hoje, uma equipe coesa e focada em todas essas transformações, além de um alinhamento com o executivo”.
Que balanço pode ser feito do patrimônio cultural?
Não posso começar a falar sobre esse tema, que move estruturalmente a Secretaria, sem iniciar pela entrega do Museu de Arte Moderna (MAB), cuja fita o governador Ibaneis Rocha fez questão de cortar no aniversário de 61 anos de Brasília. Trata-se de um equipamento moderno, sustentável e em diálogo com a política de acervo e conservação. Devolvemos para a população um equipamento depois de 14 anos abandonado. Hoje, está de portas abertas de forma segura e gradual, com exposições de qualidade. Além do MAB, a Secec aportou mais de R$ 2,2 milhões na manutenção e melhorias em 10 equipamentos, com destaque para o Conjunto Fazendinha, outro patrimônio que estava sem nenhuma intervenção e que o governador Ibaneis quer ver recuperado, ao lado da revitalização da Vila Planalto. Estamos finalizando a Concha Acústica, que, junto com o MAB, formará um importante polo cultural na Orla da Vila Planalto. Batizamos essa série de intervenções de Brasília, Cidade Patrimônio, num trabalho de excelência da Subsecretaria de Administração Geral (Suag). Mexemos até no Teatro Nacional Claudio Santoro, recuperando o sistema de refrigeração a fim de abrigar a reforma com qualidade para os operários.
Como anda a recuperação do teatro?
Percorremos um caminho tortuoso, pois encontramos a documentação relativa ao projeto de recuperação um tanto bagunçada, para dizer o mínimo. Tivemos de restaurar papéis e burocracia para podermos caminhar rumo à restauração do patrimônio. Agora o projeto está com a Caixa Econômica Federal, em fase de análise e diligências e não vou esconder que estou ansioso. Espero em breve dar essa notícia à população de Brasília.
Quais as perspectivas para o Brasília Cidade Patrimônio?
As melhores possíveis. Se no primeiro semestre aportamos R$ 2 milhões, neste, vamos dobrar. Serão R$ 4 milhões para equipamentos como Casa do Cantador (Ceilândia), Complexo Cultural de Samambaia, Praça do Museu Nacional e uma expectativa muito grande de recuperarmos o Polo de Cinema e Vídeo Grande Othelo, que também nos foi entregue em quase escombros.
No meio desse movimento, a Secec voltou a acolher a Funarte…
Sim, apesar de sabermos o tamanho do desafio. A ideia é prepararmos o terreno para o período pós-pandemia, que virá em breve, esperamos todos. O complexo pode abrigar eventos culturais enquanto o Teatro Nacional segue em reforma. Agora, em julho, receberemos as chaves, com a possibilidade de cooperação com a Fundação Nacional das Artes (Funarte). Seguiremos de mãos dadas em diversos projetos, como os de capacitação e uma grande homenagem a Semana de Arte Moderna de 1922, cujo centenário será comemorado em fevereiro.
Atravessamos um período pandêmico. Qual a saída?
Aprendemos muito com o ano passado, em que tivemos de nos reinventar de uma hora para outra. Não por menos fizemos um edital de R$ 53,6 milhões capaz de gerar 10 mil empregos diretos e indiretos, com cotas de projetos para todas as Regiões Administrativas, para contratação de Pessoas com Deficiência (PCD) e inclusão de artistas de circos itinerantes de lona, da cultura LGBTQIA+ e técnicos de bastidores. Estimulamos a vinda de agentes culturais que estavam fora do nosso cadastro oficial (Ceac), que permite o acesso ao Fundo de Apoio à Cultura (FAC). Tivemos um crescimento de 34% nessa lista e vamos premiar 32% de projetos para pessoas que nunca ganharam essa verba pública. Não é pouco. Foi um trabalho excepcional da Subsecretaria de Fomento e Incentivo Cultural (Sufic). Não vejo nada similar em outros Estados da Federação neste momento.
Há possibilidade de outros editais neste ano?
Uma observação necessária: empenhamos todo o valor que foi disponibilizado no orçamento. Isto não quer dizer que parou por aí. A Secec fez uma consulta à Secretaria de Economia sobre saldos remanescentes do FAC e aguarda esse desdobramento, alinhada com o GDF. Estamos preparados para essa execução e sabemos da importância desse fomento na geração de emprego e renda. A cadeia da economia criativa precisa desses investimentos, pois terá papel fundamental na recuperação econômica e, por que não?, do ponto de vista do bem-estar psico e moral da população. O coronavírus fez um estrago enorme na alma das pessoas.
Pode adiantar um balanço desses seis meses?
Só neste semestre, executamos 50% a mais de Termos de Fomento do que em todo o exercício de 2020. Foram R$ 9 milhões até o momento contra R$ 6 milhões no ano passado. São 15 projetos contra 8. São ações culturais formativas e que impactam 23 Regiões Administrativas, gerando, em cálculos bem realistas, 4,5 mil empregos diretos e indiretos.
Pode listar essas ações nas RA’s?
A Secec está em pleno diálogo com os artistas de todas as cidades do DF. A Rede Integra Cultura, em parceria com a Secretaria de Governo (Segov), pode ser considerada um marco, dando protagonismo aos gerentes de cultura das RAs. A razão é simples: eles estão na ponta e conhecem como ninguém a realidade dos artistas de cada cidade. Por que não fizeram isso antes é, para mim, uma incógnita. Brasília não pode dar as costas para a periferia. Além disso, dentro do Conselho de Cultura, de formação paritária, seguimos estimulando a formação dos Conselhos Regionais de Cultura (CRCs). Tudo isso para fazer cumprir e fortalecer a Lei Orgânica da Cultura (LOC), que rege o Sistema de Arte e Cultura (SAC) do DF. Essa malha é fortalecida por nossa gestão.
O grafite está fortalecido na sua gestão?
Nossa Subsecretaria de Economia Criativa, que cuida do grafite de uma forma contemporânea, está em diálogo constante com os artistas urbanos por meio do Comitê do Grafite, e de uma política pública delineada para a área. Como desenhista amador, me arrisco no grafite, por isto me entusiasmo muito com esse tema. Mais ainda quando vejo a participação de mulheres grafiteiras no mercado, pois temos reserva de 30% da participação delas em nossos editais. Agora, vou acompanhar de perto o 4º encontro do grafite, que vai transformar a Galeria dos Estados em obra de arte a céu aberto.
O que representou para a Secec a execução da Lei Aldir Blanc?
União, empatia, mãos que se encontram, trabalham juntas e acolhem. Não foi fácil executar a Aldir Blanc, em razão dos prazos exíguos. País afora, muitos Estados e municípios não tiveram números expressivos de execução. Aqui, nós viramos noites e finais de semana para garantir quase 90% de empenho de 36 milhões. E hoje, seis meses depois, estamos com praticamente tudo pago (99,4%) de quase 2800 beneficiários. Além desse aspecto, a Aldir Blanc permitiu a Secec entender que precisávamos fazer uma política cultural para atender os pequeninos, que fazem cultura por resistência mesmo, sem nenhum tipo de ajuda do Estado.
A Secec investe na Rádio Cultura e na Orquestra Sinfônica?
Estamos com contratos e projetos em andamento para capacitar e melhorar esses dois importantíssimos patrimônios da cultura do DF. Na Rádio Cultura, iremos contratar, por licitação, uma empresa para manutenção corretiva e preventiva dos equipamentos. Trocar os softwares de programação da rádio e de edição de áudios, que hoje é uma velharia. Adquirir equipamentos como mesas de som e microfones e contratar profissionais para locução, produção e operação. Tudo começando agora neste semestre. Teremos, em breve, a Rádio Cultura em operação como nunca esteve. E realizando festivais!
E a Orquestra?
A Orquestra é um corpo diferenciado, de músicos de altíssimo nível, que se reinventou em plena pandemia de modo virtual. Essa transformação impactou o país, com repercussões na mídia nacional. Neste momento, estamos com quatro licitações em andamento para adquirir equipamentos (depois de anos, sem essa execução), gravar concertos de forma on-line, tratar o arquivo técnico que é cheio de raridades e adquirir placas acrílicas para o retorno presencial, que será gradual, em composições menores, como quartetos, por exemplo.
A Secec tem se preocupado com o seu acervo?
O patrimônio é um mundo à parte dentro da Secec, não só com nossos equipamentos, como também com a nossa lista de bens tombados e registros imateriais. Neste semestre, estamos catalogando 10 mil peças dos nossos museus. Vamos saber o que temos em cada um, e as necessidades de preservação. O MAB já nasceu com esse olhar, porque tem os laboratórios de restauros.