Militância armada
Aposta no quanto pior melhor pode ‘venezualizar’ o Brasil
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emO descaso com a pandemia, a falta de vacina e a consequente morte de quase 520 mil pessoas incomoda muita gente. Incomoda muito mais a vacina superfaturada, prevaricação e uma sucessão de inquéritos, um deles sobre organização criminosa digital que atenta contra a democracia, a popular fake news. Não há necessidade de estudos políticos, tampouco de prestar atenção no noticiário diário para concluir que até agora esses têm sido os principais itens do desempenho do governo do capitão Jair Bolsonaro, cujos feitos não ultrapassam os dedos das duas mãos. Talvez uma. Se formos muito justos, de repente apenas um dedo. Falo de feitos e não de obrigações, como o custeio da máquina, auxílio emergencial e adiantamento do décimo-terceiro dos aposentados. Para não ser tachado de injusto, nada além da reforma da Previdência.
De concreto, uma crise sanitária sem precedentes e que poderia ter sido minimizada, uma CPI no Senado para investigar as omissões na área de saúde, muitos gritos, numerosas ameaças e frustradas tentativas públicas de desacreditar – na verdade emparedar – o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral. Sem discursos novos – nem velhos -, a prioridade zero, um, dois, três e dez é tentar inseminar ovos com pelos. Impossível, mas, para quem acredita piamente na fumaça negra que sai da chaminé do Palácio do Planalto, a urna eletrônica realmente é insegura e passível de invasões. Desde sua implantação, em 1996, confio plena e absolutamente no sistema eletrônico de votação. Por isso não assino embaixo nessa invencionice de “roubo” nas eleições de 2018. No entanto, considerando essa hipótese verdadeira, o fraudador acabou vencendo a eleição.
Venceu, levou, mas tudo indica que será sua primeira e última experiência como mito. Até os aconselhamentos de Donald Trump estão desaguando nos ralos da Esplanada dos Ministérios e na Praça dos Tribunais. Antes de fugir para não reconhecer a vitória de Joe Biden, Trump tentou virar a mesa nas eleições norte-americanas do ano passado com a mesma estratégia do voto impresso para evitar fraudes eleitorais. Perdeu feio e ainda viu vários de seus apoiadores encarcerados após a invasão do Capitólio. Viu, ruminou contra a Justiça, mas desapareceu e nada fez para aliviar a prisão dos seguidores que atentaram contra a mais séria e antiga democracia do mundo. Por aqui, certamente não será diferente. Aliás, faz tempo deixou de ser.
O povo nas ruas, os senadores Omar Aziz (PSD-AM), Renan Calheiros (MDB-AL) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP), além dos ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber e Luiz Roberto Barroso são considerados os vilões da vez. Paralelamente ao robusto crescimento das manifestações contrárias, o chefe do Executivo tem se movimentado nas sombras na tentativa de reverter o quadro que está longe de ser favorável às suas pretensões de reeleição. Com esse único objetivo político, tem atirado para onde o nariz aponta. Erra todos os tiros. Anunciada na quinta-feira (16), a última dessas iniciativas é a linha de crédito subsidiado para policiais militares e bombeiros comprarem casa. Os juros “lá em baixo” podem ser a senha para o início de uma proposta bem mais indecente e violenta.
Por meio de alguns oficiais de pijama e de parte das PMs brasileiras, o atual sonho de consumo é montar uma militância armada, de modo a, antes de qualquer intenção de conter a criminalidade, intimidar o eleitorado que não o quer mais e a oposição que começa a se assanhar. Pode até ser uma iniciativa exitosa. Como já escrevi algumas vezes, o problema são as diferenças. O Brasil não é a Venezuela, onde um golpe fica por isso mesmo. Além disso, não há mais Donald Trump para apoiar ações tresloucadas e personalistas. Para os que defendem a volta de um regime ditatorial, vale lembrar que o presidente dos Estados Unidos é Joe Biden e que o mundo globalizado e rico não nos recebe mais. Para virarem as costas em definitivo é uma questão de lógica. Para quem irão vender? De quem irão comprar?
Aí, perfilados e cantando patrioticamente o Hino Nacional, estaremos todos fadados à morte econômica, política e social. O chefe do governo, os representantes do povo, os militares, empresários e eleitores que preferem o caos sabem disso. Se querem de fato a venezuelização, continuem apostando no quanto pior melhor. Por obrigação, teremos todos Jair Bolsonaro no coração. Talvez tenhamos de incluir o coronel Hugo Chávez em nossa lista de libertadores. Em contrapartida, voltaremos a ser o Brasil das charretes, dos orelhões, dos apagões, das bicas d’água, da fome e, principalmente dos votos formiguinha, aqueles cuja cédulas de papel entravam falsas e saíam verdadeiras das seções eleitorais até que os coronéis do pedaço tivessem garantia da vitória. Como diria ao ministro aposentado José Paulo, nosso futuro democrático ao voto pertence.