Melhores dirás virão
Nova velha política de Bolsonaro agora é em nome de Deus
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emNos velhos tempos da política, as ideias e propostas sempre se sobrepuseram aos gritos, aos arroubos, às ameaças e, principalmente, aos aprendizes de ditadores. Fora o longo período do arbítrio, sempre fomos um arremedo de democracia. Entretanto, depois do general João Batista de Figueiredo, todos acreditavam que um dia ela se consolidaria e nenhum outro brasileiro ousaria tentar usá-la como método de governo. Descobrimos um suposto ousado, mas devemos nos tranquilizar, pois, além da cultura dos verdadeiros políticos, falta-lhe o necessário apoio para enveredar-se pelos caminhos tortuosos, nebulosos e de mão única de uma ditadura. Também podemos afirmar a inexistência de causas para a efetivação de um golpe e, mais do que tudo, conhecimento dele e de seus apoiadores sobre os efeitos internos e externos de uma radicalização política.
As pessoas, os tempos e o mundo são outros. O planeta não aceita mais governantes aventureiros e desprovidos de sapiência, discernimento e sobrecarga de ódio. Os que agiram assim se perderam pelo caminho ou foram levados pelas ondas do ostracismo para locais incertos e não sabidos. Ao criar o mundo, Deus não isentou o homem do trabalho da inteligência. Se houvesse isentado, o espírito humano teria permanecido na infância, no estado de instinto animal. Portanto, somos resultado de nossas obras. Teremos delas o mérito e seremos recompensados de acordo com o que tivermos feito. Apresentemo-nos com humildade e não com arrogância, sob pena de sermos abandonados às nossas próprias forças. Simples assim. Imagina aqueles que falam e usam o nome do Criador no slogan de governo. Como esquecem que Deus não dá aquilo que pedimos, mas o que precisamos, esses serão muito mais cobrados.
Foram-se as épocas em que os políticos eram mais oportunistas do que enganadores. Os temas – meio ambiente, educação, saúde e segurança – raramente deixavam ser lead de vereadores, prefeitos, deputados, senadores, governadores e presidentes. Parecia que, cada um a seu modo, havia contribuído com uma vírgula nos relativos artigos da Constituição. Na verdade, poucos sabiam que tínhamos uma Carta Magna, mas muitos estavam certos de que esses assuntos davam ibope, rendiam frutos e, via de regra, soavam como música para os ouvidos dos eleitores. Obviamente que não podiam faltar os agradinhos. Como as crianças em relação ao Natal, a maioria dos bem mais velhos esperava ansiosamente pelas visitas dos candidatos e pelos comícios. Era a certeza de uma dentadura nova, uma consulta com o “oculista” e, conforme a quantidade de votos oferecidos, podia rolar até óculos de última geração.
Ninguém unia o nome à pessoa, mas toda “doação” já era contabilizada no caixa 2. Na melhor das hipóteses, após as eleições, os gastos dos postulantes a cargos proporcionais ou majoritários seguiam para a famosa conta do Abreu. Naturalmente, os vencedores eram obrigados a honrar compromissos. Quanto aos perdedores, desapareciam e não pagavam sequer o café na bodega da esquina. Na eleição seguinte, todos de volta à ribalta. As mesmas caras, os mesmos discursos, os mesmos eleitores, os mesmos eleitos. De tão utilizada nos comícios dos candidatos da região, a seca do Nordeste contaminou de tal modo a natureza que ela, por obra divina, resolveu encher rios, açudes e os oceanos. Hoje, sobram goteiras. Por isso, qualquer redator sabe que um bom discurso eleitoreiro tem de ter no primeiro parágrafo queixas a Deus sobre a ação destemperada de São Pedro.
O resumo dessa fuzarca é que tudo continua como antes e depois de João Figueiredo. A maracutaia sempre existiu e, graças ao nosso voto, sempre existirá. A diferença – se é que tem alguma – ficava por conta da desnecessidade do conhecimento popular. As frases de efeito dos antigos eram “fulano rouba, mas faz” ou “quem não rouba?”. E ficava o dito pelo não dito. Outra diferença é que os brasileiros com um mínimo de cultura sabiam dos malfeitos, mas optavam pelo silêncio porque os políticos tinham medo de escancará-los. Hoje, mesmo vigiados 24 horas por dia, nossos representantes não se sentem mais pressionados. Alguns são até estimulados. Perderam a vergonha. Explicável do ponto de vista da sobrevivência, o estímulo pode ocorrer de vários modos.
Além dos contratos superfaturados, incluindo os de imunizantes, e da exigência de propinas, um desses incentivo é conhecido como rachadinha, método pelo qual o eleito exige parte do salário do contratado. Normalmente a metade. Porém, nada tão cruel quanto o desvio de merenda escolar e o negacionismo, que é a escolha de negar a realidade como forma de escapar de uma verdade desconfortável, mesmo diante de evidências ou argumentos que a comprovam. “Covidcamente”, trata-se da recusa em aceitar uma realidade empiricamente verificável ou fatos científicos. Todas essas frases soltas para fazer um pedido aos milhares de milhões de eleitores brasileiros que lutam por mudanças: aguentem firmes, aguentem só mais alguns dias. Os melhores dias estão por vir. E que nunca nos falta esperança.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978