À espera de um milagre
Entre a brutice e a quimera, o brasileiro prefere um libertador
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emSomados ao clima de instabilidade política, o descaso com a pandemia, a assustadora marca de doentes e mortos elevaram a última potência o nível de insatisfação do mundo com o Brasil. Faz algum tempo a imagem do país no exterior é a pior possível. Poucos governantes dos cinco continentes conseguem entender a dinâmica dos recentes governos brasileiros, principalmente a do que tem o comando. Por questões de foro íntimo, faz anos jurei não votar mais em Luiz Inácio ou em quem ele indicasse. Mantive o juramento em 2018 e votei em branco. Entretanto, bastaram dois anos e seis meses para que revisse meus conceitos e valores políticos.
Entre o tirano e o libertador, acho que eu e centenas de milhões de brasileiros que torcem por um país vivo, sem ódio e sem divisões já fizemos a escolha. Talvez mudemos todos caso surja um novo desbravador. Liberado para disputar as eleições de 2022, Luiz Inácio ainda não é aquele inocente pelo qual torcemos em pleitos passados. Todavia, é um convicto democrata e, mesmo contra a vontade de alguns, transformou-se no maior acusador de quem até pouco tempo o incriminava. São as voltas da vida e as surpresas geradas pela Justiça do país nos incautos jurisdicionados. São ordens judiciais que precisam ser cumpridas. E ponto.
Até o juiz, que pensava estar fazendo tudo certo, foi surpreendido pelo VAR quando o jogo já havia terminado. Considerando a máxima da ideologia reprodutiva, depois da primeira mentira toda verdade vira uma dúvida. Portanto, melhor aguardamos a publicação da súmula. Não esqueçamos que, defenestrado da partida pelos conchavos do tapetão, é o árbitro quem pode surpreender no futuro, mais precisamente em outubro de 2022. Como na infância, quando cuspíamos no chão para demarcar terreno, os extremos continuam estabelecendo espaços. No entanto, em qualquer pesquisa informal de botequim facilmente encontro dezenas, centenas – ainda não cheguei ao milhar – de pessoas transitando no campo intermediário.
Elas aguardam apenas o que surgirá entre o dia e a noite. Na prática, esperam o fim da maratona pandêmica para decidir entre o que já experimentaram, a seriedade, a novidade dos pampas ou o mito apoplégico e sua política de xingamentos e impropérios gratuitos. Entre o “condenado” (linchado por faltar com a verdade em numerosas ocasiões) e o leigo com divisas que levou o país ao fim do mundo, o povo está preferindo a brutice e a suposta esperteza à quimera, biblicamente uma figura mística e de aparência híbrida. Que venha o libertador. Embora desorganizadas e ultrapassadas politicamente, esquerda e direita ainda incomodam como dois elefantes numa fábrica de cristais.
Contudo, temos de admitir que, não importando quem seja o comandante do navio, o Centrão tem timoneiros craques em navegar sobre águas turvas. Não são confiáveis, mas são inteligentes. Enquanto o casco estiver firme, esse povo estará ditando regras. Até que o povo sinalize publicamente pelo bruto, o tirano, o juiz ou o gaúcho, vamos convivendo com remakes familiares de filmes de péssima lembrança. O de hoje envolve cunhada e parece aquele em que irmão denunciou irmão. A qualquer momento poderemos ser surpreendidos com “cadáveres suicidas” em família.
O que nos falta de fato é o que tentamos faz décadas: passar o Brasil a limpo. Implorando a Deus todos os dias por políticos e comandantes melhores, agradecemos as turbulências, pois é a partir delas que aprendemos a valorizar o que perdemos ou deixamos de ganhar. São elas que nos trazem grandes ensinamentos, entre eles a necessidade de espantarmos a raposa antes que ela assuma o controle absoluto do galinheiro. Enquanto outubro de 2022 não chega, como um preso no corredor da morte, estamos todos à espera de um milagre. E ele virá. Tenham certeza disso.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978